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A história não contada de Judas Iscariotes

 Por Cleiton Gomes


A história de Judas Iscariotes atravessa os séculos envolta em uma sombra de traição imperdoável. Contudo, quando removemos o véu da leitura superficial e nos propomos a mergulhar no contexto histórico, nas entrelinhas dos relatos e na natureza do próprio homem, o retrato que se forma pode ser mais trágico do que maligno. É bastante provável o gesto de Judas não tenha sido impulsionado por ganância egoísta, como tantos supõem, mas por uma tentativa desesperada e mal orientada de acelerar os desígnios dos céus e, paradoxalmente, financiar a própria obra de redenção que ele tanto acreditava apoiar.

Judas não era um tolo. Pelo contrário, era, entre os discípulos, aquele que mais se destacava em habilidades práticas, especialmente no que diz respeito à administração financeira, tanto que foi escolhido para tomar conta do caixa do grupo, não apenas por “confiança” mas porque tinha “capacidade”. Ele vivia ao lado do mestre, acompanhando milagres, ensinamentos poderosos e uma multidão crescente de seguidores. Contudo, ele também via, talvez com mais clareza que os demais, as limitações materiais do grupo: faltava-lhes comida, abrigo, recursos. Era um ministério sem suporte institucional, rejeitado pelas autoridades religiosas e sem respaldo político.

Para alguém como Judas, que compreendia o valor do sustento para qualquer missão duradoura, essa realidade devia ser angustiante. Ele via o potencial da mensagem de Yeshua, o impacto das curas, a autoridade de suas palavras — e ainda assim, o mestre não aproveitava as oportunidades de se tornar grande aos olhos do povo. Rejeitava coroações, evitava alianças com os fariseus, desaparecia diante de multidões e não parecia interessado em garantir a própria segurança, muito menos a estabilidade do grupo. Isso, aos olhos de alguém prático, podia soar como desperdício. Não de poder, mas de propósito.

E é aí que surge a hipótese mais humana e mais trágica sobre Judas: e se sua intenção não fosse entregar o mestre para vê-lo morto, mas apenas criar uma situação que, como em outras ocasiões, Yeshua escaparia ileso — e ainda assim gerar algum lucro com isso? Afinal, Yeshua já havia desaparecido de meios hostis, passado entre multidões furiosas e calado acusadores com sabedoria. Para Judas, essa era a constante: o mestre não podia ser capturado. Não era possível prendê-lo. Então, por que não lucrar com isso? Por que não transformar mais um episódio de oposição em um meio de arrecadação? Trinta moedas de prata eram um valor considerável. Com esse dinheiro, pensava ele, poderiam alimentar os discípulos, socorrer os necessitados e, quem sabe, ampliar o alcance da mensagem.

Se Judas estivesse, de fato, motivado apenas por ganância, não faria sentido continuar ao lado de Yeshua. Com sua habilidade administrativa, poderia ter procurado trabalho em alguma função do Templo, ou até mesmo entre os fariseus, onde o dinheiro circulava com mais liberdade. Mas ele escolheu permanecer com um mestre que nada possuía, que andava entre pobres e que, em suas próprias palavras, não tinha sequer onde reclinar a cabeça. Isso demonstra que havia, sim, fé. Havia uma crença, talvez deturpada, mas sincera, de que a missão valia a pena. Sua decisão trágica foi pensar que o fim justificava os meios.

Abre um parêntese: Muitos acusam Judas de ter roubado dinheiro para comprar o campo do oleiro com o dinheiro da traição, baseando-se apenas na leitura isolada de Atos 1:18-19. No entanto, ignoram que o texto de Mateus 27:3-8 apresenta um cenário bem diferente: Judas, tomado de remorso, devolve as trinta moedas aos sacerdotes. Esses, considerando o valor como “preço de sangue”, decidem associar a compra do campo à sua memória (Judas).

Ao cruzarmos os dois relatos, o mais coerente não é concluir que Judas tenha adquirido diretamente o campo, mas sim que ele foi vinculado a essa aquisição por causa do dinheiro da traição. O campo ficou conhecido por ele, não por uma ação de posse, mas por consequência do seu ato. E isso apenas acentua o tom trágico da sua história — pois até o terreno da sua morte não foi escolha, mas herança simbólica de um erro mal compreendido. Fecha o parêntese.

O problema foi que, dessa vez, Yeshua não se esquivou. Não fugiu. Não se ocultou entre a multidão. Permitiu-se ser levado, julgado e, por fim, condenado. E então Judas entendeu. A engrenagem que havia colocado em movimento ultrapassara o seu controle. Aquilo que julgava ser uma jogada estratégica tornou-se o prelúdio do sofrimento do justo. A reação imediata de Judas ao ver o mestre condenado revela mais do que remorso: revela surpresa. Revela que ele, de fato, não esperava por isso. Ao devolver o dinheiro, ao declarar ter traído sangue inocente e, por fim, ao tirar a própria vida, Judas se mostra como um homem que errou gravemente não por maldade pura, mas por excesso de cálculo, por excesso de intervenção humana no que era plano dos céus.

O gesto de Judas, visto sob essa luz, deixa de ser apenas o ato do vilão arquetípico, e passa a ser a queda de um homem que quis ajudar a missão usando os métodos do mundo. Ele quis sustentar a obra com moedas, pressionar o Messias a agir, forçar o Reino a descer antes da hora. Quis ajudar a fé com meios humanos. E quando percebeu que sua tentativa de ajudar, na verdade, feriu aquilo que era sagrado, preferiu não mais viver sob o peso desse erro.

A tragédia de Judas não está apenas na traição, mas na sua falha em compreender o verdadeiro caráter do Messias. Ele seguiu Yeshua, mas não o entendeu por completo. Presenciou milagres, ouviu parábolas, mas ainda esperava um plano humano, uma ascensão política, uma expansão ministerial sustentada por recursos materiais. No desespero de ver a missão se fragmentar diante de seus olhos, tentou intervir... e se perdeu.

Judas era alguém em quem Yeshua confiava profundamente, mas também sabia que ele buscava maneiras humanas de acelerar o cumprimento da missão. O que Judas não compreendia era que o plano de Yeshua possuía uma dimensão escatológica, algo que nenhum recurso humano poderia garantir, pois sua mensagem transcenderia os séculos, muito além da vida dos apóstolos.

Quando Yeshua o chamou de amigo no momento da prisão, não foi ironia, foi sinceridade. Ele ainda via Judas como alguém com valor, com história, com um vínculo profundo. Talvez essa seja a mensagem mais poderosa de toda essa história. Às vezes, as pessoas erram não por maldade, mas tentando fazer o bem de uma forma equivocada. Judas não foi um homem mau no sentido simples da palavra. Foi alguém que amou o mestre, mas não compreendeu os caminhos do Reino. Tentou resolver com lógica o que só poderia ser vivido pela fé.

Quando Ele percebeu que sua tentativa de obter recursos falhou, não foi apenas a traição que o levou ao desespero, mas a convicção de que o que fez era imperdoável. Sua mente colapsou diante da ideia de que não haveria redenção para ele. Sua maior derrota foi perder a fé na possibilidade de se reerguer.

Em suma, o nome de Judas ainda carrega o peso da traição. Mas, por trás desse rótulo, há um homem que amou, errou, se confundiu e não soube voltar. E essa é a parte mais triste de sua história. Porque, no Reino que Yeshua ensinava, até aqueles que traem podem ser perdoados. O que faltou a Judas não foi misericórdia do ETERNO. Foi fé suficiente para acreditar que o perdão ainda estava ao seu alcance.


Seja Iluminado!!!



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