Em Mateus 2:23, o escritor afirma que Yeshua foi chamado de "Nazareno" para cumprir o que foi dito pelo profeta. À primeira vista, isso pode parecer estranho, pois não há profecias que mencionem explicitamente que o Messias deveria vir de Nazaré para ser chamado de nazareno. Além disso, essa cidade sequer é mencionada no Tanach. Por isso, ao longo dos anos, surgiram questionamentos sobre a autenticidade dos Escritos Nazarenos, levantando a suspeita de que teriam sido manipulados e que Yeshua não seria o verdadeiro Messias.
No entanto, não é difícil compreender isso. Devemos considerar que o escritor, Mateus, era um legítimo judeu e, como israelita, utilizou uma metodologia de ensino própria de seu povo. Primeiro, ele se apoiou na profecia de Isaías 11:1, que fala sobre o "rebento" (ou "renovo"). O rebento é o broto de uma árvore que foi cortada e desprezada, mas que, mesmo assim, dá origem a um novo broto. Essa imagem simboliza a vinda do Messias a partir de uma condição humilde, como um ramo que surge de uma árvore rejeitada. Ele viria de um lugar desprezado, o que se aplica perfeitamente a Nazaré, uma cidade de pouca importância política ou econômica. A própria rejeição inicial de Yeshua em Nazaré, narrada em Lucas 4:16-30 (quando ele afirmou que se cumpria sobre ele a profecia de Isaías 11:2 e 61:1), reforça o caráter profético e a ideia de desprezo associada a essa localidade. O termo "rebento" ou "renovo" também simboliza um novo líder que emerge após um período de decadência moral e espiritual, apontando para um Messias que restauraria a esperança e a justiça.
É importante destacar que o rebento viria da descendência de Jessé, o pai do rei Davi. Ou seja, o Messias deveria ser da linhagem de Davi, cumprindo a promessa de que haveria um rei eterno sobre essa dinastia (2 Samuel 7:12-16; Isaías 9:6-7; Jeremias 23:5-6; Ezequiel 37:24-25; Salmo 89:3-4; Amós 9:11). Yeshua é reconhecido como descendente legítimo de Davi, fato atestado até mesmo pelos mestres da Torá, que aprovaram seu ensino no Templo (Lucas 2:42-47). Afinal, somente um descendente legítimo poderia se assentar e ensinar no Templo (conforme registrado no Talmud, Yoma 69b, e no Mishnê Torá de Rambam). Assim, considerando todos esses fatos, Yeshua é a figura que melhor se encaixa nessas descrições, especialmente porque ele ainda está vivo e nunca mais morrerá. Dessa forma, a ideia de um reinado davídico eterno se cumpre perfeitamente nele.
Além disso, em Atos dos Apóstolos, os seguidores de Yeshua são chamados de "nazarenos", indicando que essa designação passou a definir não apenas a origem geográfica do Mestre, mas também sua missão e identidade espiritual. A humildade associada a Nazaré reflete a natureza do ministério de Yeshua, que priorizou os marginalizados, os pobres e os pecadores, em vez dos poderosos e religiosos de sua época. Essa conexão entre Nazaré e a humildade do Messias é um tema recorrente nos Evangelhos, onde Yeshua é frequentemente descrito como alguém que rejeita a glória mundana em favor de um reino espiritual e eterno.
De fato, não há uma profecia que afirme que o Messias viria com força militar para batalhar em prol de Israel. Essa figura de um guerreiro é baseada em interpretações equivocadas de alguns textos bíblicos. Conforme as profecias, o Messias viria primeiramente montado em um jumento (Zacarias 9:9; Salmo 22), simbolizando humildade. No entanto, há também uma profecia que descreve sua vinda sobre as nuvens dos céus com grande poder e glória (Daniel 7:13-14). Essas descrições apontam para dois eventos distintos: duas vindas do mesmo Messias. Na primeira vinda, ele é conhecido como Mashiach ben Yosef (Messias filho de José), uma figura associada ao sofrimento e à humilhação, representando o arquétipo da tribo de Efraim, filho de José. Na segunda vinda, ele é chamado de Mashiach ben David (Messias filho de Davi), destacando sua dinastia e governo eterno. Essa dualidade de papéis mostra que o Messias passaria por momentos de humilhação antes de sua glorificação.
Essa descrição se encaixa perfeitamente na trajetória de Yeshua, que veio montado em um jumentinho, morreu como um cordeiro, ressuscitou, subiu aos céus e retornará como um Leão, com autoridade para julgar. Ele voltará sobre as nuvens dos céus com grande poder e glória e reinará para sempre.
Ainda sobre o rebento mencionado por Isaías, é importante destacar que a palavra hebraica נצר (Netser) é o radical que forma o termo Netseret (נצרת/Nazareno). Além disso, Netseret deriva do verbo “natsar” (רַצָנ), que significa “guardar”, “cumprir” e “vigiar”. Esse verbo é frequentemente usado no Tanach para expressar a guarda e o cumprimento dos mandamentos da Torá. Portanto, “Nazareno” pode ser entendido como “aquele que cumpre a Torá”. Outro termo relacionado é “notserim” (יםִרְצֹנ), que significa “guardiões”, “vigias” ou “sentinelas”. No hebraico antigo, que não utilizava sinais massoréticos, as palavras “sentinelas” e “nazarenos” eram escritas da mesma forma: נצרים. Assim, os nazarenos podem ser entendidos como os guardiões e sentinelas da Torá. (Essas informações foram extraídas da 3ª edição do livro Judaísmo Nazareno, de Tsadok Ben Derech, páginas 40 a 42).
Com essa análise, aprendemos que o título "Nazareno" vai muito além de uma simples identificação geográfica. Não se trata apenas de alguém que nasceu ou viveu em Nazaré, como alguém que nasce em São Paulo é chamado de paulistano ou quem nasce em Goiás é chamado de goiano. Yeshua é nazareno porque ele é o Mestre da Torá. Em seu diálogo com os discípulos, Yeshua contrasta a prática hipócrita de alguns escribas e fariseus com a genuína observância da Torá. Ele afirma que, se seus discípulos excederem a justiça dos escribas e fariseus, praticando a Torá com intenção sincera no coração e sem ignorar sequer o menor dos mandamentos, seriam chamados grandes no reino dos céus (Mateus 5:7-20).
No que diz respeito à localização histórica de Nazaré, embora essa cidade não apareça frequentemente em mapas antigos ou em registros geográficos mais amplos da região, isso não significa que ela não existiu. As fontes históricas que descrevem as cidades e vilas da Galiléia nos primeiros séculos são limitadas, e muitas comunidades pequenas, especialmente as de menor importância política ou econômica, podem não ter sido amplamente documentadas. Nazaré provavelmente era uma pequena comunidade sem grande destaque, o que explicaria sua ausência nos mapas e registros históricos mais abrangentes.
Em síntese, a Nazaré bíblica e o título de "Nazareno" atribuído a Yeshua estão profundamente entrelaçados com as profecias e o cumprimento do plano divino para a salvação da humanidade. A humildade e a aparente insignificância de Nazaré contrastam com a grandiosidade da missão do Mestre, revelando um dos temas centrais do Evangelho: o ETERNO escolhe o que é fraco e desprezado no mundo para confundir o que é forte (1 Coríntios 1:27). Assim, Nazaré não é apenas um local histórico, mas um símbolo poderoso da inversão de valores que caracteriza o reino dos céus, onde o humilde é exaltado e o rejeitado se torna a pedra angular.
Mateus, ao escrever seu evangelho, demonstrou profunda familiaridade com o método PaRDeS de interpretação judaica, aplicando os quatro níveis de entendimento para revelar a identidade e a missão de Yeshua como o Messias. No nível Peshat (literal), ele apresenta Yeshua vivendo em Nazaré, cumprindo a designação geográfica de "Nazareno". No nível Remez (alusivo), Mateus conecta essa designação à profecia de Isaías 11:1, onde o termo "rebento" (נצר, Netser) alude ao Messias que surgiria de uma condição humilde, como um broto de uma árvore cortada. No nível Derash (interpretativo), ele expande o significado de "Nazareno" para além da origem geográfica, associando-o à humildade e ao cumprimento da Torá, destacando que Yeshua priorizou os marginalizados e ensinou uma justiça superior à dos escribas e fariseus. Por fim, no nível Sod (místico), Mateus sugere que Yeshua é a própria Torá viva, encarnando o plano divino para a salvação da humanidade e revelando o mistério do reino dos céus. Dessa forma, Mateus utiliza o método PaRDeS para mostrar que Yeshua não apenas cumpriu as profecias, mas também personificou os múltiplos significados da revelação divina, desde o literal até o místico.
Seja iluminado!!!
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