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O primogênito de Satanás

 Por Cleiton Gomes


Marcião de Sinope (85 a 160 d.C.), uma figura controversa no cristianismo primitivo, desenvolveu um sistema de crenças que visava dividir a Bíblia em dois blocos distintos: um Antigo Testamento, que ele considerava como revelação de um “Deus” severo e vingativo, e um Novo Testamento, que ele via como a revelação de um “Deus” amoroso e misericordioso, revelado através de Yeshua. Essa visão, que foi prontamente rejeitada pela maioria dos líderes da igreja primitiva, representava uma ruptura profunda com a visão original dos seguidores de Yeshua, que viam a continuidade entre as Escrituras e reconheciam Yeshua como o cumprimento das promessas feitas no Tanach.  Tertuliano, em sua obra "Contra Marcião" chama este personagem de "primogênito de Satanás" devido à sua visão radicalmente distorcida da fé cristã

De agora em diante, seguiremos falando “Tanach” em vez de “Antigo Testamento” e “Escritos Apostólicos” em vez de “Novo Testamento”, visando se distanciar dessa visão errônea promovida por Marcião.

A principal falácia na visão de Marcião é sua separação radical, afirmando que o ETERNO revelado no Tanach não poderia ser o mesmo revelado por Yeshua. Para Marcião, o ETERNO mostrado no Tanach era severo e vingativo, enquanto o revelado por Yeshua era amor e misericórdia. Essa dualidade não tem respaldo nas Escrituras, pois a visão bíblica é de um ETERNO único, que se revela de forma consistente ao longo de toda a Escritura. No Tanach, vemos que ele atua com justiça severa, mas também com misericórdia, como ilustrado em passagens como Miquéias 7:18-20, onde o ETERNO é descrito como perdoador e compassivo. Não há contraditório entre a justiça e a misericórdia do ETERNO, mas sim um equilíbrio perfeito entre essas duas características.

Além disso, a alegação de Marcião de que os cristãos deveriam se afastar completamente das tradições judaicas e da Torá ignora o fato de que Yeshua e seus seguidores eram, primeiramente, judeus. Os primeiros discípulos, incluindo os apóstolos, continuaram a praticar o Shabat, a observar as festas bíblicas e a seguir a Torá após a ressurreição do Mestre, conforme registrado nos Evangelhos e em Atos dos Apóstolos. A ideia de que a Torá seria substituída ou obsoleta após a vinda de Yeshua é contrária ao próprio ensino de Yeshua, que afirmou: "Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas cumprir" (Mateus 5:17). Yeshua não aboliu a Torá, ele mostrou como os mandamentos deveriam ser entendidos em seu verdadeiro sentido.

Além disso, os apóstolos continuaram a ensinar os gentios a observar a Torá, como vemos em Atos 15, onde a questão sobre o que os gentios deveriam observar foi discutida. A decisão dos apóstolos foi que os gentios deveriam se abster de práticas pagãs e seguir certos mandamentos, mas sem exigir que se tornassem totalmente judeus em termos de suas práticas religiosas. Isso reflete uma visão de continuidade entre a fé em Yeshua como o Messias e a observância da Torá, algo que Marcião claramente rejeitou.

A ideia de Marcião de criar um cânon reduzido, que excluía todos os livros do Tanach e rejeitava passagens nos Escritos Nazarenos (“Novo Testamento”) que faziam referência à Torá ou à história judaica, também é errada. A Bíblia, como um todo, não pode ser fragmentada ou separada de forma arbitrária. As Escrituras do Tanach são essenciais para entender os Escritos Nazarenos, pois a obra de Yeshua está profundamente enraizada nas promessas, profecias messiânicas e nos ensinamentos registrados no Tanach. 

Portanto, a visão de Marcião, ao distorcer a continuidade das Escrituras, é falha e carece de base bíblica sólida. Sua doutrina representa uma tentativa de criar uma identidade cristã desconectada de suas raízes judaicas, o que contraria a realidade de que Yeshua e seus seguidores eram profundamente ligados à Torá e às tradições judaicas. Ela não apenas coloca em risco a integridade das Escrituras, mas também enfraquece a mensagem de unidade que Yeshua pregou, onde judeus e gentios, por meio de sua obra, são unidos como um só povo, em conformidade com as promessas feitas a Israel. 

A apostasia de Marcião, ao tentar afastar os cristãos de próximo do pensamento judaico, foi um movimento errado que gerou divisões, alimentando o antissemitismo e comprometendo a compreensão plena da missão de Yeshua como o Messias prometido a Israel e a todas as nações.



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