Por Cleiton Gomes
A narrativa bíblica apresenta, em algumas passagens, ordens difíceis de compreender, especialmente quando o ETERNO ordena a destruição total de determinados povos, incluindo crianças. Para muitos, essa realidade parece incompatível com a misericórdia divina, mas uma análise cuidadosa, baseada no contexto histórico, cultural e espiritual da época, revela a coerência entre a justiça e a compaixão do ETERNO.
Primeiramente, é necessário compreender que os povos mencionados nas Escrituras, como os cananeus e amalequitas, praticavam rituais extremamente degradantes, incluindo sacrifícios infantis a ídolos. O ETERNO, sendo fonte de justiça, não poderia permitir a perpetuação de tais práticas. O objetivo não era uma aniquilação gratuita, mas a interrupção de um ciclo maligno que corromperia outras nações, inclusive Israel, cuja missão era ser um farol moral para a humanidade.
A misericórdia divina se manifesta, paradoxalmente, nessas ações. O ETERNO não age de forma impulsiva ou cruel, mas com um propósito corretivo. Antes de emitir tais juízos, sempre houve longos períodos de advertências e oportunidades de arrependimento. No caso dos cananeus, por exemplo, a paciência divina se estendeu por séculos (Gênesis 15:16), esperando que abandonassem suas práticas abomináveis. Abre um parêntese: Os amorreus eram um dos povos cananeus, ou seja, faziam parte do conjunto de nações que habitavam a terra de Canaã. O termo "cananeus" é um nome coletivo que abrange diversos grupos, como heteus, jebuseus, girgaseus e amorreus. Fecha o parêntese.
Outro ponto importante é a visão coletiva da existência na antiguidade. Diferente da perspectiva individualista moderna, as sociedades antigas se viam como unidades familiares e tribais. Assim, a destruição total de um povo representava a eliminação de uma cultura que, se preservada, traria de volta práticas contrárias ao propósito divino de justiça e retidão.
Além disso, a compreensão judaica tradicional ensina que o ETERNO não tem prazer na morte de ninguém (Ezequiel 18:23). As ordens de destruição serviam, em última análise, ao objetivo maior de preservar o bem maior e o futuro da humanidade. As crianças, embora inocentes individualmente, estavam inseridas em um contexto cultural que as moldaria para perpetuar a injustiça e a violência.
Por que ele não preservou a vida de crianças de colo? A questão sobre por que não poupar as crianças de colo e criá-las entre os israelitas é válida e complexa. No entanto, é importante considerar o impacto psicológico e social que essas crianças teriam ao crescer. Elas seriam criadas por um povo responsável pela morte de seus familiares, o que poderia gerar ressentimento, conflito interno e, potencialmente, uma busca por vingança no futuro. O trauma gerado por essa realidade poderia perpetuar, ainda que indiretamente, o ciclo de violência que o ETERNO buscava interromper.
Historicamente, a lealdade tribal era extremamente forte na antiguidade, e o pertencimento a uma determinada comunidade estava profundamente enraizado na identidade pessoal. Mesmo que fossem criadas com amor e cuidado, essas crianças eventualmente conheceriam sua origem e poderiam, em um contexto de cultura coletiva, sentir-se desajustadas e propensas a buscar sua identidade original, desafiando assim a estabilidade da comunidade israelita.
Por que, ao invés de usar forças naturais, Ele ordenou que os israelitas fossem os agentes diretos dessas ações? Primeiramente, o envolvimento direto dos israelitas nessas ações tinha um propósito pedagógico. O povo de Israel precisava compreender, de maneira prática e intensa, a gravidade das práticas abomináveis realizadas por essas nações. Ao serem instrumentos da justiça divina, eles internalizariam a importância de se manterem afastados dessas mesmas corrupções, como a idolatria e os sacrifícios humanos.
Além disso, o ETERNO desejava que Israel entendesse que sua missão não era apenas receber bênçãos, mas também ser um agente ativo na preservação da pureza espiritual e moral. O ato de eliminar culturas que ameaçavam essa pureza servia como um exercício de obediência e confiança na sabedoria divina, mesmo quando as ordens pareciam difíceis de compreender.
Outro ponto relevante é que o uso de forças naturais, como fogo do céu, tempestades ou terremotos, poderia ser interpretado pelos povos vizinhos como meros fenômenos naturais, sem qualquer relação com a justiça divina. Quando os israelitas agiram sob ordens específicas, ficou evidente que não se tratava de um acaso, mas sim de um julgamento consciente e direcionado, com propósitos claros.
Por fim, a execução desses juízos pelas mãos humanas enfatiza a responsabilidade moral que o ETERNO atribui ao ser humano. O povo de Israel precisava aprender que sua obediência tinha implicações práticas e espirituais, e que seu papel como luz para as nações exigia coragem e fidelidade. Assim, o método escolhido não foi arbitrário. Ele serviu para educar, alertar e responsabilizar o povo, ao mesmo tempo em que deixou claro para o mundo o caráter justo e santo das ordenanças do ETERNO.
A compreensão da vida e da morte a partir da perspectiva humana é, muitas vezes, limitada por nossa experiência terrena e emocional. Vemos a morte como uma perda irreparável, um fim definitivo, enquanto o ETERNO, sendo o autor da vida, a enxerga dentro de um contexto muito mais amplo e eterno.
O ETERNO concede a vida a cada ser com um propósito específico, mas também tem a soberania para retirá-la quando sua sabedoria infinita assim determina. A morte, do ponto de vista divino, não representa um fim absoluto, mas uma transição no plano maior da existência. O ciclo da vida e da morte é parte do equilíbrio cósmico estabelecido pelo Criador, que vê além das limitações do tempo e do espaço.
Os seres humanos tendem a julgar as ações do ETERNO com base em emoções e conceitos terrenos, esquecendo que Sua justiça é perfeita e Sua misericórdia não falha. Quando, em determinados momentos históricos, o ETERNO ordenou a destruição de povos inteiros, inclusive de crianças, Ele o fez considerando não apenas o presente imediato, mas o futuro coletivo da humanidade. Sua decisão não foi arbitrária, mas baseada em uma sabedoria que transcende nossa capacidade de compreensão.
Precisamos reconhecer que a vida é um dom, mas não uma posse. O ETERNO tem autoridade sobre ela, assim como o oleiro tem poder sobre o barro. O fato de não compreendermos plenamente Suas decisões não anula Sua justiça nem Sua bondade. O plano divino busca sempre o bem maior, ainda que, para nós, pareça difícil de aceitar.
Portanto, ao refletirmos sobre essas questões, devemos lembrar que a morte, aos olhos humanos, é uma separação dolorosa, mas, para o ETERNO, é parte de um processo que visa a correção, a purificação e o cumprimento de propósitos superiores. Confiar na sabedoria divina é um exercício de humildade e fé, reconhecendo que a vida pertence Àquele que a criou e que, em Sua justiça perfeita, tudo faz com um propósito maior.
Vamos finalizar esse estudo, respondendo mais algumas questões:
Por que o ETERNO, sendo onisciente, permitiu que essas culturas crescessem e se desenvolvessem, sabendo que seriam destruídas mais tarde?
O ETERNO permite o livre-arbítrio (ou livre agência) e o desenvolvimento das culturas para que Suas ações sejam sempre justas e fundamentadas. Se esses povos fossem destruídos antes de se manifestarem plenamente em suas práticas, poderia surgir o questionamento sobre a justiça divina. O tempo dado a essas culturas foi também uma oportunidade de arrependimento, como ocorreu com Nínive após a pregação de Jonas.Se o objetivo era preservar a pureza espiritual de Israel, por que o ETERNO não escolheu outro método menos traumático para ensinar essa lição?
O método escolhido reflete a gravidade da contaminação espiritual e moral dessas culturas. O ETERNO, ao ordenar essa intervenção direta, estava enfatizando o perigo de práticas que envolviam idolatria, sacrifícios humanos e corrupção moral. Métodos menos drásticos poderiam não transmitir com clareza a seriedade da separação necessária para manter Israel fiel ao seu propósito.Como as crianças israelitas daquela época entenderam e processaram o fato de seus pais serem responsáveis por tais atos?
O contexto coletivo da sociedade antiga diferia bastante do pensamento individualista moderno. As crianças eram educadas desde cedo sobre a santidade do ETERNO, a missão de Israel e o perigo de práticas idólatras. Elas viam essas ações não como violência gratuita, mas como uma obediência necessária a uma ordem divina que visava preservar a vida e a santidade no futuro.Se o ETERNO é paciente e misericordioso, por que, em alguns casos, não prolongou ainda mais o tempo para que esses povos se arrependessem?
Em muitas ocasiões, houve prorrogação. O juízo sobre os cananeus, por exemplo, demorou séculos (Gênesis 15:16). Entretanto, quando a maldade atingia um ponto irreversível, o juízo era inevitável para proteger a humanidade e os princípios estabelecidos pelo ETERNO.Será que essas ações, vistas com os olhos humanos, não geraram ressentimento e questionamentos internos entre os próprios israelitas?
É possível que tenha gerado, especialmente para aqueles mais sensíveis. No entanto, o senso de pertencimento coletivo, a obediência às ordenanças e a compreensão de que estavam cumprindo um mandamento divino serviam como alicerce emocional e espiritual.Qual era a percepção dos povos vizinhos ao presenciarem essas ordens divinas sendo cumpridas? Isso gerou temor reverente ou apenas ódio?
As Escrituras indicam que houve ambos. Alguns povos, como os gibeonitas, buscaram aliança com Israel ao reconhecerem a ação divina. Outros, movidos pelo orgulho e ressentimento, alimentaram ódio e buscaram vingança.Por que não foi permitido aos israelitas assimilar esses povos e ensiná-los a seguir o caminho da retidão, ao invés de exterminá-los?
A assimilação era um risco espiritual elevado, pois essas culturas estavam profundamente enraizadas em práticas idólatras. O ETERNO sabia que, se Israel permitisse essa convivência, acabaria sendo influenciado negativamente, como de fato ocorreu em períodos posteriores.Se o objetivo era interromper a idolatria e os sacrifícios humanos, por que alguns povos idolátricos não foram destruídos da mesma forma?
O ETERNO age conforme a medida da maldade. Algumas nações foram poupadas porque, embora idólatras, não chegaram ao mesmo nível de degradação moral que exigisse uma intervenção tão radical.Até que ponto o contexto cultural e histórico daquela época influencia nossa capacidade atual de compreender essas ordens divinas?
Nossa compreensão é profundamente influenciada pela nossa perspectiva moderna, que valoriza a vida individual acima das estruturas coletivas. No contexto antigo, a preservação da identidade espiritual de uma nação era vista como essencial para o bem-estar coletivo, algo que muitas vezes não conseguimos compreender plenamente com nossa mentalidade contemporânea.
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