Por Cleiton Gomes
A questão sobre a existência de sacrifícios de animais na era messiânica é um tema que tem gerado debates entre estudiosos. Ao longo da história de Israel, os sacrifícios sempre desempenharam um papel central no culto, especialmente no Mishkan (Tabernáculo) e, posteriormente, no Templo. No entanto, é essencial examinar as Escrituras e a literatura judaica para compreender se essa prática continuará no futuro messiânico ou se sua função era temporária e circunstancial.
Em primeiro lugar, a própria Torá sugere que os sacrifícios de animais não eram a intenção original do ETERNO. Em diversas passagens, os sacrifícios de animais são tratados como irrelevantes. Jeremias 7:22-23 afirma que, ao tirar Israel do Egito, o ETERNO não ordenou sobre holocaustos e sacrifícios, mas sim sobre a obediência à Sua voz. Oséias 6:6 reforça essa ideia ao declarar que a misericórdia e o conhecimento do ETERNO são mais desejados do que oferendas queimadas.
A perspectiva dos profetas indica que os sacrifícios tinham um caráter educativo e temporário, introduzidos em um contexto onde os israelitas estavam habituados a rituais pagãos. Nesse sentido, o grande filósofo judeu Maimônides afirmou que, se os israelitas não fizessem sacrifícios para o verdadeiro ETERNO, terminariam por oferecer sacrifícios a outros deuses (Guia dos Perplexos III:32). O objetivo era redirecionar a prática sacrificial para um culto monoteísta, afastando o povo da idolatria. Isaías 1:11-17 é contundente ao afirmar que o ETERNO não se agrada de sacrifícios quando a justiça e a retidão são negligenciadas. Salmos 50:9 e 13 nos informam que o ETERNO não precisa de sacrifícios porque todos os animais já são Dele.
Ademais, o conceito de uma nova aliança, conforme mencionado em Jeremias 31:31-34, sugere uma relação renovada entre o ETERNO e Seu povo, baseada em uma transformação interna e na inscrição da Torá no coração dos homens. Nesse contexto, os sacrifícios se tornam obsoletos, pois a redenção e a purificação espiritual ocorrem de maneira direta, sem a necessidade de rituais externos.
A literatura judaica também aponta para essa transição. O Talmud afirma que quarenta anos antes de o Segundo Templo ser destruído, o ETERNO passou a não aceitar mais o sacrifício de animais no Templo (vide Talmud Bavli, m. Yoma 39a-39b). Faça o somatório: o Segundo Templo foi destruído no ano 70 d.C. Quarenta anos antes disso, o ETERNO havia deixado de aceitar os sacrifícios de animais. Ou seja: 70-40=30 d.C. Considerando que o ano 30 d.c foi a época da morte de Yeshua, então definitivamente os nazarenos estavam certos em afirmar que o sacrifício de Yeshua foi perfeito e definitivo (Hebreus, capítulos 9 e 10).
Fundamentados na ideia de que o ETERNO prefere “sacrifício vivo” (Salmos 50:14), isto é, uma vida plena em santidade e misericórdia, o grupo de sacerdotes Essênios deixou de sacrificar animais e vivia buscando uma santidade plena ao longo dos dias (vide Regra da Comunidade, Col. IX, 3-5). Assim, a mensagem dos emissários de Yeshua não soava estranha aos ouvidos de muitos de sua época; a mensagem de se oferecer como sacrifício vivo (Romanos 12:1) já era seguida por outras comunidades judaicas. Essa opinião de que os sacrifícios eram temporários também é compartilhada por eruditos, veja:
“Os Reformadores disseram claramente que, qualquer que seja o propósito que o sacrifício tenha servido nos tempos antigos, agora é obsoleto e sem significado para o futuro. Eles, portanto, eliminaram do serviço da sinagoga as orações tradicionais para a restauração do templo e do culto. Hoje, os movimentos conservadores e reconstrucionistas também renunciaram explicitamente à esperança de retornar ao sistema de sacrifício” (The Torah: A Modern Commentary, Revised; Accordance electronic ed., New York: Union for Reform Judaism, 2006, páginas 677-678).
No imaginário de muitos, a ideia do retorno dos sacrifícios decorre de uma leitura equivocada dos textos do livro do profeta Ezequiel, especialmente dos capítulos 40 a 48. Afirma-se que o Messias, representado pela figura política do "Príncipe", oferecerá sacrifícios de animais e terá filhos (Ezequiel 46:16-17). No entanto, uma interpretação literalista desses textos não se sustenta quando analisamos o contexto profético e a missão do Messias revelada ao longo da Torá e dos Profetas. Vejamos algumas diferenças:
O "Príncipe" exerce funções administrativas e religiosas dentro do Templo, incluindo a participação em sacrifícios expiatórios (Ezequiel 45:22; 46:12).
O Messias, segundo as Escrituras, não tem pecado e não precisa de sacrifício por si mesmo. E sua função não é atuar como sacerdote levítico dentro de um sistema de sacrifícios animais, mas sim ser o sacrifício perfeito e definitivo (Isaías 53:10-12; Hebreus 7:26-27; 1 Pedro 2:22).
O "Príncipe" é casado e tem filhos (Ezequiel 46:16-17).
O Messias tem origem celestial, não será casado e não terá filhos (Daniel 7:14; Miquéias 5:2).
O "Príncipe" não tem autoridade sobre todas as nações, apenas exerce uma função administrativa dentro de Israel, organizando o culto e a adoração, sem ser descrito como um rei universal.
O Messias é descrito como aquele que reina sobre todas as nações (Daniel 7:14, Salmo 2:8; Ezequiel 37:24-25).
Dada a natureza das funções, resta-nos aceitar dois fatos inegociáveis: (1) Se o texto é literal, então o príncipe não é a mesma pessoa do Messias, pois não se encaixa nas profecias messiânicas; (2) Se o texto de Ezequiel é simbólico e não literal, então o príncipe simboliza/representa aspectos do governo messiânico, mas sem implicar sacrifícios de animais ou um retorno ao culto levítico tradicional, já que os próprios profetas indicam mudanças na adoração futura. Por exemplo, Isaías 66:3 apresenta uma declaração impactante que desafia a interpretação literal do sacrifício de animais e sinaliza uma transformação radical na forma de adoração. O versículo afirma: "Quem oferece um sacrifício de boi é como quem mata um homem; quem sacrifica um cordeiro é como quem quebra o pescoço de um cão." Essa comparação entre o ato de sacrificar um boi e matar um homem é uma crítica contundente ao sistema sacrificial de animais, sugerindo que, em um futuro ideal, a prática de sacrifícios será vista como algo insustentável, até mesmo repulsivo.
A afirmação de Isaías sugere que, no futuro, o culto será transformado, não mais dependente dos sacrifícios de animais. Essa transformação aponta para um culto em espírito e em verdade, conforme os ensinamentos de Yeshua, que sublinham que o ETERNO busca adoradores que se aproximem d'Ele com integridade e sinceridade, não com rituais vazios. A mudança de paradigma vislumbrada por Isaías é, portanto, uma progressão da adoração externa e física para uma adoração interna e espiritual, em que o coração do crente é mais importante do que o ritual em si.
Nessa assertiva de que o texto é simbólico e não literal, a figura do príncipe, conforme descrita em Ezequiel, pode ser interpretada como um arquétipo de liderança justa e reta, que está completamente alinhada com a vontade do ETERNO. Em Ezequiel 44:3, o príncipe é descrito como alguém que serve de exemplo para o povo de Israel, não apenas como uma autoridade política, mas também como um líder espiritual, que atua de acordo com os preceitos divinos. A figura do príncipe representa a idealização de um líder que guia o povo segundo a justiça e a pureza, refletindo o desejo de restauração de Israel, tanto em termos físicos quanto espirituais.
Ezequiel, ao descrever essas visões, emprega uma linguagem sacerdotal que vai além da simples descrição de eventos futuros, refletindo sua experiência e compreensão profunda das práticas de adoração e dos rituais religiosos. O uso dessa linguagem sacerdotal, com detalhes sobre a construção do templo e a purificação do culto, sugere que suas visões são simbólicas e espirituais, mais focadas na restauração da verdadeira adoração ao ETERNO do que na construção de um templo físico literal. A ênfase está na renovação do coração do povo, na restauração da santidade e na transformação da maneira como Israel se relacionaria com o ETERNO.
Portanto, as visões de Ezequiel, marcadas por essa linguagem sacerdotal, devem ser compreendidas como uma descrição da restauração espiritual e renovação do coração do povo. A figura do príncipe é, assim, um símbolo dessa restauração espiritual, apontando para a liderança justa e alinhada com a vontade do ETERNO, que servirá de guia para a nação de Israel em seus dias finais de redenção.
Outro ponto crítico na interpretação literal do Terceiro Templo em Ezequiel são as dimensões descritas, que não são compatíveis com os templos anteriores. O livro descreve de forma detalhada o tamanho e a construção de um templo que, à primeira vista, parece ser uma estrutura imensa, muito maior do que qualquer templo anteriormente construído em Jerusalém. Ao tentar aplicar essas medidas de forma literal, surgem várias dificuldades práticas, já que as dimensões apresentadas indicam uma construção colossal, muito além do que seria viável dentro das limitações espaciais e materiais de Jerusalém, mesmo considerando a época em questão.
As medidas descritas em Ezequiel são desproporcionais, indicando um espaço muito maior do que o templo de Salomão ou o templo de Herodes, ambos reconhecidos como as maiores construções religiosas da antiga Jerusalém. Por exemplo, a área do templo descrita por Ezequiel ultrapassa em muito os limites de qualquer estrutura realista que poderia ser erguida em Jerusalém, o que torna difícil uma aplicação literal do texto sem entrar em contradições com as capacidades históricas e geográficas da cidade.
Esse descompasso entre as dimensões do templo e as possibilidades físicas de construção sugere que a visão descrita por Ezequiel não deve ser interpretada como uma previsão de uma futura construção literal, mas como uma representação simbólica e profética. As dimensões exageradas podem ser vistas como uma maneira de ilustrar a grandeza e a perfeição, simbolizando a plenitude do reino de Yeshua e a reconciliação entre o homem e o ETERNO.
O livro de Ezequiel, com sua linguagem altamente simbólica, utiliza o templo como um veículo para transmitir uma mensagem de restauração e de purificação espiritual, mais do que um projeto arquitetônico realista. Nesse contexto, o templo descrito em Ezequiel representa a restauração da verdadeira adoração e a renovação do relacionamento entre o ETERNO e Seu povo, algo que vai além de uma estrutura física e se refere a um templo espiritual, acessível a todos os eleitos, sem as limitações materiais e territoriais.
Além disso, é importante considerar que Ezequiel escreveu em um contexto de exílio, onde o povo de Israel estava distante de sua terra e do templo físico. Assim, sua visão pode ter sido uma forma de consolar e inspirar seu povo, oferecendo uma imagem de esperança de que, no futuro, o ETERNO traria uma restauração não apenas física, mas também espiritual. A construção do templo, nesse caso, poderia ser interpretada como um símbolo da transformação espiritual que ocorreria na vinda do Messias e no estabelecimento do Reino de Elohim. Dessa forma, as dimensões descritas em Ezequiel devem ser entendidas como uma expressão da grandiosidade do plano divino, mais do que uma descrição de uma construção literal e material.
E ainda: O texto de Malaquias 3:4 é frequentemente citado por aqueles que defendem a ideia da restauração dos sacrifícios de animais nos moldes antigos, mas uma análise mais cuidadosa revela que essa interpretação não é precisa. Ao contrário, o versículo em questão fala sobre a restauração de ofertas agradáveis ao ETERNO, e não sobre o retorno ao sistema sacrificial antigo. No texto, a declaração de que "as ofertas de Judá e Jerusalém serão agradáveis ao ETERNO, como nos dias antigos, como nos primeiros tempos", deve ser entendida no contexto de um processo de purificação e restauramento, e não como uma reintrodução do sistema de sacrifícios de animais. O texto aponta para uma transformação na adoração, algo que vai além da prática ritualística. A referência às ofertas agradáveis está mais relacionada à restaurada sinceridade e pureza no culto, em vez de uma repetição das práticas antigas, que eram muitas vezes corrompidas pela hipocrisia e a idolatria.
Esse entendimento se alinha com o ensino de Yeshua, que em João 4:23-24, fala sobre a adoração em espírito e em verdade. Yeshua não apenas defendeu a adoração verdadeira, mas também declarou que os sacrifícios e o culto baseado em rituais externos não eram mais suficientes para agradar ao ETERNO. Em vez disso, ele enfatizou que o que realmente importa é uma adoração genuína, que nasce do coração e é expressa em sinceridade, sem depender das obras externas de ritual. Essa perspectiva reformadora não contradiz o que Malaquias apresenta, mas oferece uma interpretação mais profunda sobre a restauração da verdadeira adoração.
O Mensageiro da Aliança mencionado em Malaquias é, sem dúvida, uma referência à vinda de Yeshua, que traria uma nova maneira de se relacionar com o ETERNO, baseada em um culto mais autêntico, sem a necessidade de sacrifícios animais. A purificação dos filhos de Levi pode ser vista como a transformação do sacerdócio, não no sentido de uma restauração literal das práticas antigas, mas no estabelecimento de uma nova ordem sacerdotal, uma que fosse compatível com os ensinamentos messiânicos e com a revelação da verdadeira natureza do ETERNO. A restauração mencionada em Malaquias é, portanto, a restauração da adoração pura, que se manifesta não por rituais externos, mas por uma devoção sincera e verdadeira ao ETERNO, em espírito e em verdade.
Em suma, desde os tempos antigos, o verdadeiro propósito do ETERNO sempre foi a busca pelo "sacrifício vivo", ou seja, uma entrega espiritual e moral em vez de ofertas de sangue. Os Profetas e até mesmo os Essênios compreenderam essa verdade, rejeitando o sistema de sacrifícios como essencial para a comunhão com o Criador. Na era messiânica, essa compreensão se tornará definitiva, pois não haverá mais mortes e, consequentemente, os sacrifícios de animais perderão qualquer significado.
Seja Iluminado!!!
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