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A alma do ser humano é imortal?

 Por Cleiton Gomes


O conceito da imortalidade da alma é um dos temas mais debatidos na teologia e na filosofia. Embora muitos o considerem uma verdade estabelecida, uma análise dos textos sagrados revela que essa noção de uma alma consciente que sobrevive separada do corpo após a morte mostra influências muito mais helenísticas — especialmente platônicas e de seus desdobramentos — do que hebraicas.


Na antropologia bíblica, o ser humano é compreendido como uma unidade integral — uma nefesh, ou alma vivente. O relato da criação, em Gênesis 2:7, descreve como o ser humano se tornou uma alma vivente ao receber o sopro de vida em seu corpo formado do pó. O texto não afirma que o homem recebeu uma alma, mas que se tornou uma alma vivente. Essa visão integrada contrasta radicalmente com a tricotomia da filosofia grega. Os textos bíblicos enfatizam, de forma consistente, que a consciência cessa quando o ser humano morre fisicamente. 


A palavra nefesh, frequentemente traduzida como "alma", refere-se ao ser humano em sua totalidade, abrangendo dimensões físicas, emocionais e vitais. Os próprios animais são chamados de nefesh chayah em Gênesis, demonstrando que o termo não carrega o sentido de uma substância espiritual imortal. Já ruach, geralmente traduzido como "espírito", pode significar tanto o fôlego vital quanto disposições interiores, mas não uma entidade consciente independente do corpo. A mortalidade da nefesh, explicitamente afirmada em Ezequiel 18:4, contrasta fortemente com a noção grega de uma alma imortal por natureza.


Essa perspectiva é reforçada em diversos textos. O livro de Eclesiastes afirma claramente: "O pó volta à terra, como o era, e o espírito volta a quem o deu" (3:20; 12:7). Da mesma forma, o livro de Jó questiona: "O homem morre e desfalece; expira o homem, e onde está ele?" (14:10), expressando uma visão que não assume automaticamente a continuidade da consciência após a morte. No mesmo sentido, o profeta Daniel fala dos que "dormem no pó da terra" e serão despertados (12:2). Essa compreensão bíblica apresenta a morte como um “estado de repouso” ou “sono”, não como uma existência consciente imediata em outro plano.


As concepções equivocadas sobre a natureza da alma muitas vezes resultam de uma abordagem que interpreta os textos sagrados à luz da filosofia grega, em vez de compreendê-los a partir da perspectiva hebraica original.  Um exemplo disso está na parábola do rico e Lázaro, frequentemente utilizada para sustentar a ideia de céu e inferno imediatos após a morte. Uma leitura cuidadosa da narrativa, em Lucas 16:19–31, mostra que se trata de uma lição moral, não de um relato literal sobre o estado das almas. Elementos simbólicos, como o seio de Abraão e o diálogo entre mortos, eram comuns na literatura judaica intertestamentária, usados para transmitir verdades espirituais por meio de imagens conhecidas. A parábola ensina sobre as consequências das escolhas nesta vida e a importância de ouvir a Torá e os profetas, não sobre a geografia do além.


Outro exemplo é a famosa frase de Yeshua ao ladrão na cruz: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lucas 23:43). A ausência de pontuação no grego antigo permite uma outra leitura, mais coerente com o restante das Escrituras: “Em verdade te digo hoje: estarás comigo no paraíso.” Essa leitura indica que a promessa foi feita naquele dia, mas seu cumprimento se daria no futuro, no tempo designado da ressurreição. Isso é confirmado pelas palavras de Yeshua a Maria após sua ressurreição: “Ainda não subi ao Pai” (João 20:17), o que nega a possibilidade de que Ele e o ladrão já estivessem no paraíso no mesmo dia da crucificação.

Outro texto utilizado é 1 Tessalonicenses 5:23, onde Paulo menciona explicitamente "espírito, alma e corpo". À primeira vista, essa tripla enumeração sugere uma divisão clara entre esses três componentes. No entanto, uma análise mais cuidadosa do contexto cultural e linguístico revela que essa formulação segue um padrão comum na literatura hebraica, semelhante a expressões como “coração, alma e forças”, encontradas em Deuteronômio 6:5. Trata-se de uma forma retórica para enfatizar a totalidade do ser humano, não de estabelecer uma distinção ontológica rígida entre essas dimensões.


Por fim, também utilizam Hebreus 4:12, que menciona a capacidade da Palavra de dividir "alma e espírito". Essa passagem, quando examinada em seu contexto original, tem como objetivo principal destacar o poder penetrante e discernidor da Palavra divina, que alcança até as motivações mais profundas do ser humano. A comparação com "juntas e medulas", elementos físicos do corpo, mostra que o autor está empregando uma linguagem metafórica e poética, não definindo uma estrutura repartida no ser humano. A ênfase recai sobre a onisciência do ETERNO e a eficácia de Sua Palavra, e não sobre uma suposta anatomia espiritual.


A tradição rabínica antiga também oferece pouca base para a doutrina de uma alma imortal. O Talmud fala mais frequentemente da ressurreição dos mortos (techiyat ha-metim) do que de uma imortalidade inata da alma. Mesmo nas discussões sobre o Mundo Vindouro, há uma compreensão de que este mundo é apenas uma preparação para uma futura realidade restaurada, onde os justos viverão novamente em um corpo, não como espíritos desencarnados.


No contexto dos nazarenos, seguidores de Yeshua, a mensagem central sempre foi a esperança da ressurreição, não a imortalidade da alma. As declarações sobre “ressuscitá-lo no último dia” (João 6:39–40) mostram uma consistência notável com a visão hebraica tradicional. Essa perspectiva mantém a integridade do ser humano como unidade e preserva a justiça do ETERNO em um juízo final coletivo, e não em decisões individuais imediatas após a morte.


Assim, à luz das Escrituras hebraicas e de seu contexto cultural, a resposta à questão da imortalidade da alma é negativa. O ser humano não é composto por três substâncias independentes, mas é uma unidade complexa e integrada, onde os aspectos físicos e espirituais se interpenetram, constituindo uma única realidade pessoal. Essa compreensão preserva a visão bíblica da pessoa como criação integral, destinada não à separação entre corpo e alma, mas à redenção completa de todo o ser na ressurreição final.


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