Por Cleiton Gomes
No evangelho de João, encontramos um relato em que Yeshua é acusado de "violar o sábado", algo que gerou grande controvérsia entre os líderes religiosos contemporâneos que não estão familiarizados com a linguagem idiomática semita e o contexto cultural da época. Neste estudo, vamos investigar o significado da palavra grega traduzida como "violava", sua conexão com as tradições judaicas da época e o que isso revela sobre o verdadeiro significado da guarda do Shabat conforme ensinado por Yeshua.
Em João 5:18, lemos:
"Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não só violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus." (João 5:18, Bíblia Almeida Recebida, 2011).
No texto original, o termo grego traduzido como “violava” é λύω (luó), que significa “desamarrar”, “soltar”, “libertar” ou “desatar” (Dicionário Strong, G3089). Essa expressão era usada na época como um termo idiomático entre mestres da Torá. Quando alguém era acusado de "amarrar o Shabat", significava que essa pessoa era extremamente rígida em suas interpretações. Por outro lado, "desamarrar o Shabat" indicava uma abordagem mais flexível, permitindo certas ações que poderiam parecer transgressões à primeira vista, mas que, na verdade, estavam alinhadas com os princípios da Torá.
Yeshua exemplificou essa abordagem em diversas ocasiões, mostrando que algumas ações, embora incomuns no Shabat, eram plenamente permitidas pela Torá. Por exemplo:
Circuncisão no Shabat: Yeshua afirmou que a circuncisão poderia ser feita nesse dia, sem que isso constituísse transgressão, pois estava em conformidade com a Torá (João 7:23).
Trabalho dos sacerdotes no Templo: Ele lembrou que os sacerdotes realizavam ofícios no Shabat sem desobedecer à Torá (Mateus 12:5).
Alimento para famintos: provou que o sacerdote alimentou o Rei Davi e seus guerreiros no shabat (Mateus 12:1-4).
Além disso, Yeshua questionou seus opositores, apontando a falta de base bíblica para suas acusações:
"E eis que estava ali um homem que tinha uma das mãos atrofiada; e eles, para poderem acusá-lo, o interrogaram, dizendo: É lícito curar nos sábados? E ele lhes disse: Qual dentre vós será o homem que, tendo uma só ovelha, se num sábado esta cair numa cova, não lançará mão dela, e a levantará? Ora, quanto mais vale um homem do que uma ovelha? Portanto, é lícito fazer o bem nos sábados.” (Mateus 12:10-12).
Esses exemplos mostram que Yeshua não transgredia o Shabat, mas o observava com misericórdia e entendimento, priorizando o bem-estar e a vida.
Muitos acreditam que Yeshua teria transgredido literalmente o mandamento ao curar doenças e alimentar pessoas no Shabat. No entanto, onde na Torá está escrito que é pecado realizar a cura milagrosa de um cego durante o Shabat? Em que parte está declarado que curar enfermos ou alimentar famintos nesse dia constitui transgressão? De forma alguma as ações de Yeshua devem ser interpretadas como uma afronta ao mandamento, pois elas estavam em plena harmonia com os princípios da Torá. Com isso, Yeshua mostrava que suas ações durante o Shabat não configuravam transgressão ao mandamento. Afinal, a transgressão é a desobediência, e toda desobediência à Torá é pecado (1 João 3:4). No entanto, os emissários de Yeshua afirmaram que Ele não cometeu pecado, nem se achou engano em sua boca (Hebreus 4:15; 1 Pedro 2:22). Logo, Yeshua, em momento algum, se rebelou contra o mandamento.
O embate entre Shamai e Hilel
O contexto cultural é fundamental para compreender essa narrativa. Havia, na época, uma forte rivalidade entre as escolas farisaicas de Shamai e Hilel. Os shamaitas eram rígidos em suas interpretações, enquanto os hilelitas, e também Yeshua, adotavam uma visão mais flexível e compassiva, permitindo ações como salvar vidas no Shabat. Essa rixa levou os seguidores de Shamai a acusarem Yeshua injustamente, tentando apresentá-lo como transgressor da Torá.
A oposição dos shamaitas a Yeshua refletia tanto questões teológicas quanto políticas, pois eles viam nele um opositor direto de suas práticas. Afinal, Yeshua frequentemente rejeitava as doutrinas humanas impostas pelos shamaitas e outras seitas farisaicas:
“E ele lhes disse: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens.” (Marcos 7:6-7).
A rivalidade entre essas escolas era tão intensa que, em alguns casos, gerava conflitos violentos. Esse contexto ajuda a entender por que os shamaitas frequentemente procuravam acusar Yeshua. Para aprofundar essa questão, você pode consultar este artigo: “Qual razão de Yeshua ter chamado os fariseus de filhos de assassinos?”
O mestre Yeshua precisou enfrentar esse embate com os fariseus da escola de Shamai, conhecidos por sua rigidez e inflexibilidade. Em alguns casos, eles aumentavam a rigidez na observância de suas próprias regras, regras essas que nem eles mesmos eram capazes de praticar com perfeição (Mateus 23:4; Atos 15:10). Por outro lado, a escola farisaica de Hilel praticava o mesmo que Yeshua, como alimentar doentes e famintos, curar pessoas picadas por cobras e salvar vidas. Em suma, eles praticavam o bem no Shabat (bibliografias judaicas: Shabat 18:3; Tosefta Shabat 15:14; Tosefta Yoma 84:15).
Disso resulta que, quando Yeshua se comportava de forma semelhante aos alunos de Hilel (João 7:23), os shamaitas automaticamente o consideravam um opositor de sua escola. Por isso, buscavam constantemente encontrar falhas em suas ações, com o objetivo de rotulá-lo como um transgressor da Torá. No entanto, mesmo entre aqueles que o acusavam de desobedecer ao mandamento, havia quem questionasse se suas ações realmente configuravam uma transgressão (João 9:16).
Por isso, atualmente, ofícios que visam promover o bem-estar e preservar a vida do próximo recaem sobre eles a permissão da Torá. Assim, médicos, bombeiros e soldados do exército, todos que estão prontos para salvar vidas, podem executar seus trabalhos no Shabat, pois não há proibição para esse ponto.
Em suma, O historiador Geza Vermes, ao estudar a vida de Yeshua, reforça sua devoção à Torá:
“A devoção de Jesus, nascido e educado judeu, era centrada na Torá, carta fundamental e principal marca distintiva da religião judaica [...] Assim, Jesus insistia na necessidade de obedecer a todos os detalhes dos regulamentos mosaicos, incluindo os preceitos rituais.” (O autêntico evangelho de Jesus, Editora Record, 2006, página 458).
Consideração Final
Esse estudo nos ajuda a entender que as ações de Yeshua no Shabat não foram transgressões, mas um ensino prático sobre como observar a Torá de maneira plena e compassiva. Ele não veio abolir a Torá, mas mostrar seu verdadeiro propósito: promover o amor, a misericórdia e o cuidado com a vida. Essa abordagem nos desafia a olhar para os mandamentos não como um fardo, mas como uma forma de expressar nossa obediência de maneira prática e altruísta. Assim, o exemplo de Yeshua nos convida a refletir sobre a essência dos mandamentos e a vivê-los de forma que glorifiquem ao ETERNO e beneficiem o próximo.
Seja iluminado!!!
Baixe o pdf: https://drive.google.com/file/d/1srKqdwNKoNe5xCvXgBcfILs7htEtreuL/view?usp=drive_link
0 Comentários
Deixe o seu comentário