Por: 𝗖𝗹𝗲𝗶𝘁𝗼𝗻 𝗚𝗼𝗺𝗲𝘀
A sagrada escritura registra, em muitos lugares, que os fariseus acusaram Yeshua de violar o mandamento do sábado semanal. Daí, muitos teólogos cristãos interpretam que Yeshua era um ferrenho opositor do mandamento em questão. A verdade é que é enganosa esta afirmação, e isso será demonstrado logo a seguir.
O mandamento de guardar o sábado semanal está registrado em Êxodo 20:8-11. Sabemos que Yeshua era israelita e deveria praticar este mandamento de forma correta. Caso Yeshua tivesse transgredindo o mandamento em questão, ele estaria praticando pecado. Afinal, o apóstolo João ensinou que o pecado é a transgressão da lei (I João 3:4).
Assim, temos o seguinte raciocínio:
1) O pecado é a transgressão aos mandamentos da lei (I João 3:4);
2) O sábado semanal é um dos mandamentos da lei (Êxodo 20:8-11);
3) Yeshua transgrediu este mandamento;
4) Logo: Yeshua praticou pecado.
Se Yeshua tivesse realmente transgredido o mandamento, então, ele cometeu pecado. Mas, outros apóstolos disseram que Yeshua não praticou pecado e nem na sua boca se achou engano (1 Pedro 2:22). Afinal, Yeshua transgrediu o mandamento em questão ou os episódios que mostram suas ações no dia de sábado merecem um pouco mais de análise?
A verdade é que vários fariseus daquela época realizaram as mesmas coisas que Yeshua praticou. Ou seja, esses ditos fariseus alimentavam os doentes que estavam famintos, curavam pessoas picadas por cobras, salvaram vidas; em suma, eles praticavam o bem no sábado semanal (Shabat 18: 3; Tosefta Shabat 15: 14; Tosefta Yoma 84: 15). Esses ditos fariseus eram antigos alunos da escola farisaica hileíta. Aliás, leitor, você sabia que existia duas escolas farisaicas que eram ferrenhas opositoras em seu modo de pensar?
É isso mesmo, existiu a escola farisaica liderada pelo rabino Hilel, e outra liderada por Shamai. Essas duas escolas, conforme registros do Talmud, diferiam bastante no modo de pensar. Em se tratando do sábado semanal, os hileítas acreditavam que o bem poderia ser realizado neste dia sem problema algum, acreditando que estes atos estavam dentro dos parâmetros exigidos pelas normas que regiam este mandamento. Por outro lado, os shamaitas discordavam desse pensamento.
Essas duas escolas foram fundadas antes do nascimento de Yeshua. Assim, quando o Messias começa seu ministério de pregação, ele entra em um cenário de disputas teológicas entre os alunos dessas duas escolas. Disso resulta que quando ele se comporta semelhante aos alunos de Hilel (João 7:23), os shamaitas automaticamente entendem que Yeshua também era um opositor de sua escola; por isso viviam tentando encontrar falhas no Messias, de modo a torná-lo um transgressor da Torá. Mas, mesmo acusando-o de falhar contra o mandamento, outros consideraram se aquilo que ele fazia era realmente uma transgressão (João 9:16).
Se Yeshua tivesse realmente transgredido o mandamento do sábado e houvesse testemunhas oculares depondo contra ele, certamente todos teriam direto legal de aplicar a pena de morte nele, imediatamente. No entanto, Yeshua não foi morto por essa razão, porque ele não era transgressor. Ele foi morto a custo de inveja, nada mais.
De tanto ser acusado falsamente, Yeshua chega ao ponto de confrontar o pensamento dos shamaitas, levando-os a uma autorreflexão. Ele perguntou sobre o que seria lícito fazer no dia de sábado, salvar a vida ou matar? Ajudar os necessitados ou deixá-los morrer mesmo que fosse possível tê-los ajudado? E todos eles se calaram porque sabiam que Yeshua estava com a razão, pois, compreenderam que não existe nenhum registro na Escritura onde o ETERNO tenha, alguma vez, proibido que o bem fosse realizado no dia de sábado (Lucas 6:9; 14:4-6; Marcos 3:4; Mateus 12:10-12). Afinal, o ETERNO permite que o bem seja realizado em qualquer dia da semana, inclusive no sábado.
Assim como nas leis humanas existem algumas concessões, também na lei do ETERNO existem concessões. Por exemplo, a lei de trânsito proíbe que veículos comuns avancem durante o sinal vermelho do semáforo, contudo, permite que ambulâncias, carros de polícia e de bombeiros, possam avançar o sinal vermelho caso estejam com os sinalizadores ligados. Nessa situação eles recebem uma concessão da lei, e não recebem punição por fazer isso; afinal, a lei permite que isso seja realizado.
Nas leis divinas também existem circunstâncias onde o ETERNO permite que determinadas práticas sejam realizadas no dia de sábado, tal como realizar a circuncisão na carne no dia de sábado (João 7:23). Os sacerdotes também poderiam trabalhar no serviço do templo e ficar sem punições (Mateus 12:5), tudo isso porque a lei permitia que, nestas situações, o bem pudesse ser realizado no dia de sábado.
O próprio Messias, ao usar o exemplo de Davi comendo os pães da proposição que somente os sacerdotes estavam autorizados a comer, afirma que, naquela situação, os sacerdotes tinham a permissão da lei para alimentar aqueles homens, visto que nenhum outro alimento estava disponível (Mateus 12: 3-4). O sacerdote, como representante do ETERNO, jamais deixaria de fazer o bem tendo a oportunidade de fazê-lo, porque quem tem a oportunidade de fazer o bem e não faz, comete pecado (Tiago 4:17). Assim, aquele sacerdote analisou a situação de Davi e reputou como perigo de inanição, ou seja, ele salvou a vida de Davi e seus guerreiros ao tê-los alimentado, evitando que todos morressem de fome. Conforme alguns rabinos no Talmud (Yoma 85b), o bem pode ser realizado no dia de sábado; salvar vidas é lícito.
Bem, se isso ainda não servir como prova de que Yeshua não estava transgredindo o mandamento do sábado, então, façamos uma análise da própria expressão "violar o sábado", quando aplicada na direção de Yeshua. O texto em grego apresenta o verbete λυω (luo), traduzido em muitas bíblias como "violar". No entanto, os significados exatos consoante se extrai do dicionário Strong, são: "soltar, afrouxar, desatar" (Strong: G3089).
Explicou o judeu nazareno, Tsadok Ben Derech, que a expressão "soltar ou afrouxar", se trata de uma expressão idiomática utilizada pelos rabinos, para se referir a alguém que estava dando uma interpretação mais flexível de como guardar o mandamento do sábado. Assim, enquanto alguns fariseus (os hileítas) afrouxavam o sábado, considerando que haviam formas de praticar o sábado de forma misericordiosa sem se afastar do mandamento, outros (os shamaitas), no entanto, apertavam o mandamento em questão; isto é, eles eram inflexíveis e dificultavam a guarda deste mandamento, proibindo que diversas coisas fossem realizadas neste dia (DERECH, Tsadok Ben; Judaísmo Nazareno: o caminho de Yeshua e de seus talmidim, 3ª edição, 2017, páginas 241 a 243, e também: páginas 185 e 186).
Este mesmo autor explica que os Essênios também dificultavam a guarda do sábado, porque se preocupavam apenas com o sentido literal das palavras escritas do que com o real sentido espiritual do mandamento. Eles até proibiam que as pessoas defecassem no dia de sábado, para evitar que os excrementos fossem enterrados na areia; também proibiam emprestar objetos ao seu próximo; não ajudavam animais que estivessem presos em algum poço ou na lama, bem como proibiam ajudar as pessoas que estivessem se afogando no dia de sábado (Ob. Cit., páginas 334 e 335).
Em suma, na linguagem rabínica, dizer que Yeshua violava o sábado, é para ser entender como Yeshua considerando haver formas de praticar o mandamento do sábado de forma misericordiosa, ajudando o próximo e animais presos em algum lugar, sem se afastar da correta forma de praticar este mandamento. Ademais, todas as ações de Yeshua no sábado foram realizadas apenas com palavras e, no máximo, usando a imposição de mãos sobre as pessoas, e isso sequer pode ser considerado um trabalho que transgrida a Torá. Jamais devemos entender Yeshua como sendo um transgressor, pois, afinal, ele guardava o sábado perfeitamente, bem como tinha costume de ir às sinagogas aos sábados para ensinar a Palavra (Lucas 4:15-16). É por ser tão obediente a este mandamento, que nunca encontraram razões para aplicar-lhe a pena de morte por transgressão a esta regra da Torá.
Seja iluminado!!!
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