Davi praticou adultério?

 

Por: Cleiton Gomes 


O texto que narra o episódio sobre a relação sexual de Davi e Bate-Seba, tem sido alvo de bastantes debates nos últimos anos. Para alguns acadêmicos, Davi não cometeu adultério com aquela mulher, já que ele era um homem íntegro e obediente ao Altíssimo, estando em um grau elevado de santidade. Para outros acadêmicos, todavia, em um momento de fraqueza da sua carne ele acabou por praticar adultério. Afinal, Davi praticou adultério ou não? É isso que iremos examinar de agora em diante. 


Eis o trecho bíblico:


"Uma tarde, levantou-se Davi do seu leito e andava passeando no terraço da casa real; daí viu uma mulher que estava tomando banho; era ela mui formosa. Davi mandou perguntar quem era. Disseram-lhe: É Bate-Seba, filha de Eliã e mulher de Urias, o heteu. Então, enviou Davi mensageiros que a trouxessem; ela veio, e ele se deitou com ela. Tendo-se ela purificado da sua imundícia, voltou para sua casa. A mulher concebeu e mandou dizer a Davi: Estou grávida." (2 Samuel 11:2-5). 


O argumento daqueles que são contra o adultério neste episódio será visto neste momento. O versículo 1 deste texto, nos informa que era tempo de guerra. De acordo com uma das literaturas judaicas, O Zohar, havia uma lei que ordenava que os soldados dessem carta de divórcio para suas esposas todas as vezes que fossem para a batalha, pois, se caso eles não retornassem da guerra, suas mulheres estavam livres para casar com outro:


"Urias, o heteu, era um convertido ao Judaísmo, não era judeu de nascimento. Batsheva era virgem, não tinha sido tocada por Urias, ainda que aos olhos da sociedade da época eles fossem legalmente casados. Ao sair para guerra, o Urias, o heteu, teve que cumprir com a lei própria daqueles que vão à guerra como está escrito: "Era então costume que os homens em Israel, que iam à guerra, dessem às esposas uma carta de divórcio que se tornava válida após certo tempo, ela estava permitida a qualquer homem e Davi casou-se com ela. Tudo o que ele fez foi permitido" (Zohar, Mishpatim, versículo 239).


Baseado nesta afirmação do Zohar, Davi cometeu um ato que seria permitido diante daquela lei. Todavia, vamos pensar diferente. Atente-se ao detalhe que diz que a carta de divórcio se tornava válida somente durante determinado tempo e não imediatamente após o homem sair para a batalha. Acredita-se que a carta de divórcio só se tornava válida após a morte do homem ser absolutamente comprovada, ou seja, quando o corpo do homem fosse encontrado sem vida. Ou ainda, se todos retornassem da batalha e o marido daquela determinada mulher nunca retornasse para o seu lar e os seus amigos nunca tivessem encontrado o seu corpo. Portanto, seria considerado uma morte por completo desaparecimento. Somente após estas circunstâncias é que a mulher estaria livre para casar novamente. Portanto, qualquer outro homem que se relacionasse sexualmente antes da comprovação da morte de seu marido, seria um ato de adultério. 


Não seria honroso permitir que a carta de divórcio tivesse validade após o marido sair para a batalha, pois, haveria um grande constrangimento para todos os guerreiros que voltassem da batalha vitoriosos. Ora, quão grande constrangimento seria o marido ir para o seu lar para comemorar a vitória com a sua esposa, e chegando lá ver que ela já tem outro marido. Quão grande desconforto emocional aquele homem sentiria. 


É tão verdade que a carta de divórcio não se tornava válida após o marido sair para a guerra, que a sagrada escritura faz questão de enfatizar que Bate-Seba é mulher de Urias. E a reação de Davi ao saber do retorno de Urias torna esse fato ainda mais verídico, pois, sabia que havia engravidado uma mulher casada, e na tentativa de esconder seus atos, ordena que Urias vá para sua casa, com a intenção de que ele tivesse relações sexuais com sua esposa. Quando Urias visse sua esposa grávida, jamais suspeitaria de uma traição. E como não existia teste de DNA naquela época, descobrir uma traição era ainda mais difícil. 


Eis o trecho bíblico que fala sobre a reação de Davi:


"Depois, disse Davi a Urias: Desce a tua casa e lava os pés. Saindo Urias da casa real, logo se lhe seguiu um presente do rei. Porém Urias se deitou à porta da casa real, com todos os servos do seu senhor, e não desceu para sua casa. Fizeram-no saber a Davi, dizendo: Urias não desceu a sua casa. Então, disse Davi a Urias: Não vens tu de uma jornada? Por que não desceste a tua casa? Respondeu Urias a Davi: A arca, Israel e Judá ficam em tendas; Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados ao ar livre; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber e para me deitar com minha mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não farei tal coisa." (2 Samuel 11:8-11)


Esse plano, é claro, não funcionou, pois Urias não foi para sua casa como ordenou Davi. E mais, atente-se ao detalhe nas palavras de Urias “hei de deitar na minha casa, para comer e beber e para me deitar com minha mulher?” Ora, se a carta de divórcio já estivesse em vigor pleno, certamente Urias não teria mais direito algum para chamar Bate-Seba de "minha mulher", nem teria mais autoridade para possuí-la, já que a Torá ensina que é imoral retornar ao primeiro marido após ela já ter vivido com outro (Deut. 24: 4). Se Davi ordenou que Urias fosse para sua casa com a intenção dʼEle ter relação sexual com Bate-Seba, então, certamente o rei reconhecia que a carta de divórcio de Urias ainda não tinha entrado em vigor. 


E ainda: Muitos dizem que Urias deveria ser morto imediatamente por ordem de Davi, já que ele acabara de desobedecer uma ordem direta do rei. Desobedecer a ordem de um monarca seria um crime gravíssimo. Não obstante, se analisada a explicação de Urias, veremos que ele não foi para sua casa descansar por causa de uma causa nobre, que envolvia a proteção de todo o reino. Quando um soldado está em batalha, faz um voto consigo mesmo de que não vai descansar até que a guerra termine. Davi reconheceu essa causa nobre e sabia que não podia aplicar pena de morte em um soldado tão dedicado. O povo iria protestar contra o rei se ele fizesse isso. 


Se Davi realmente estava errado, e sabendo que não tinha outra opção de esconder o que fez com a mulher de Urias, a única opção que lhe sobrara era mandar Urias para a batalha novamente. Assim, a carta de divórcio poderia ser definitivamente aplicada se ele morresse, deixando Bate-Seba livre para casar com outro livremente. Se Davi realmente não estava errado, por que teria ordenado que Urias ficasse na linha de frente de batalha? Por que ordenou que ele fosse deixado sem ajuda quando houvesse uma emboscada? 


"Escreveu na carta, dizendo: Ponde Urias na frente da maior força da peleja; e deixai-o sozinho, para que seja ferido e morra." (2 Samuel 11:15). 


O que muitos devem entender é que, Davi, como qualquer ser humano estava sujeito a cometer erros. Nenhum ser humano escapou de cometer erros durante sua vida, exceto Yeshua ("Jesus"). Davi era um homem temente? Sim. Ele era um homem íntegro? Sim. Ele era um homem que poderia ser considerado um Tsadik ("justo")? É claro que sim. Entretanto, o justo não é aquele que nunca erra, mas sim aquele que apesar de errar e cair, se levanta e continua a caminhar, mudando suas imperfeições ao longo da sua jornada. Diferente do tolo que vive refazendo seus próprios erros, o justo faz esforço para não mais praticar os mesmos erros. 


Em que pese nutrir respeito aos que pensam que Davi não praticou adultério, sentimos em dizer que todos os fatos deste episódio depõe contra ele. Até mesmo o profeta Natã lançou uma pequena parábola a Davi, e o próprio Rei reconheceu que aquela pessoa da história era digna de morte, por ter roubado o único animal que o pobre homem possuía. 


Eis o trecho:


"Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. Tinha o rico ovelhas e gado em grande número; mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma cordeirinha que comprara e criara, e que em sua casa crescera, junto com seus filhos; comia do seu bocado e do seu copo bebia; dormia nos seus braços, e a tinha como filha. Vindo um viajante ao homem rico, não quis este tomar das suas ovelhas e do gado para dar de comer ao viajante que viera a ele; mas tomou a cordeirinha do homem pobre e a preparou para o homem que lhe havia chegado


Então, o furor de Davi se acendeu sobremaneira contra aquele homem, e disse a Natã: Tão certo como vive o SENHOR, o homem que fez isso deve ser morto. E pela cordeirinha restituirá quatro vezes, porque fez tal coisa e porque não se compadeceu. 


Então, disse Natã a Davi: Tu és o homem. Assim diz o SENHOR, Deus de Israel: Eu te ungi rei sobre Israel e eu te livrei das mãos de Saul; dei-te a casa de teu senhor e as mulheres de teu senhor em teus braços e também te dei a casa de Israel e de Judá; e, se isto fora pouco, eu teria acrescentado tais e tais coisas. Por que, pois, desprezaste a palavra do SENHOR, fazendo o que era mal perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada dos filhos de Amom. Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher." (2 Samuel 12:1-10). 


As palavras do profeta não deixam dúvidas: "Davi ordenou a morte de um homem para que pudesse ter a mulher deste homem". Davi não só praticou adultério, como também orquestrou a morte de outra pessoa. Orquestrar a morte de outra pessoa só seria uma causa nobre se Davi estivesse na linha de frente de uma guerra, e tendo a oportunidade de vencer seus inimigos e proteger todo o seus súditos, mataria seus inimigos e venceria a guerra. 


Mas, então, por que o ETERNO não o exterminou imediatamente ao praticar pecado tão abominável? Todos sabemos que o ETERNO não toma culpado por inocente, mas também sabemos que ele é alguém que concede a oportunidade de arrependimento para qualquer pessoa. Pois, quem confessa seus pecados e abandona, alcança misericórdia. Após o Rei saber que o ETERNO estava descontente com suas recéns atitudes, reconhece seus erros e alcança o perdão divino. E ao longo de toda sua vida após aquele evento, Davi se dedicou aos serviços do ETERNO de uma forma ainda mais intensa. 


E ainda: Quando chegamos no trecho que fala da conversa do profeta e o rei, aqueles que defendem o não-adultério de Davi, costumam formular o seguinte pensamento: "O ETERNO ordenou que Moisés trouxesse duas tábuas de pedra diante d'Ele. Em uma das tábuas estava escrito cinco mandamentos. Na segunda tábua estava escrito outros cinco mandamentos. Na primeira tábua, estava escrito cinco mandamentos que listavam pecados que poderiam ser praticados contra o ETERNO, e na segunda tábua estavam os mandamentos que listavam pecados que poderiam ser praticados contra o próximo". 


Eles dizem: Já que o pecado de adultério está listado na segunda tábua, e se é verdade que Davi praticou adultério, os textos bíblicos "deveriam dizer que Davi pecou contra o próximo". Em vez disso, "os textos dizem que Davi pecou contra D'us" (2 Samuel 12: 13; 1 Reis 15:5). Ou seja, o pecado de Davi não pode ser considerado adultério, pois, não pecou contra o próximo e sim contra o Altíssimo. 


Em que pese nutrir respeito aos que pensam assim, sentimos em dizer que este raciocínio é bastante superficial. Ora, todas as más ações que praticamos contra o próximo são refletidas em ações contra o Altíssimo. Veja, na primeira tábua da lei está escrito para não fazer "imagens de escultura", assim sendo, ainda que alguém não viva construindo imagens de escultura para si mesmo, mas se ele ensinar o seu próximo a criar imagens de escultura, aquele que ensinou a praticar tal coisa está praticando um pecado contra o próximo e contra o ETERNO, simultaneamente.  Da mesma maneira, se "dissermos que amamos a D'us e odiamos o nosso próximo" (1 João 4:2), estaremos praticando uma mentira dupla. Portanto, ainda que Davi tenha dito simplesmente que pecou contra D'us, não significa dizer que ele não pecou contra o seu próximo primeiramente. 


E não para por aqui, muitos ainda costumam dizer que o casamento entre Urias e Bate-Seba nunca foi válido, já que Urias não era judeu legítimo e sim somente um convertido. Assim sendo, Davi não teria praticado adultério, visto que não estava tendo relações sexuais com uma mulher casada. 


Que pensamento mais tosco! Ainda que Urias não fosse um judeu legítimo, a partir do momento em que ele fez conversão e passou a servir o mesmo D'us que os judeus, o casamento entre ele e uma judia se tornaria totalmente aceitável. A Torá veda o casamento entre um judeu e um pagão (alguém que ainda vive praticando tudo que é desagradável ao Altíssimo!/ Deuteronômio 7: 3-4), mas não proíbe que o casamento de um judeu e um convertido seja realizado. Se assim fosse, o casamento entre Boaz e Rute (o avô e avó de Davi) nunca teria sido aprovado, já que esta mulher não era uma legítima judia e sim uma moabita convertida. Se não fosse permitido o casamento de um convertido, o nome de Rute jamais apareceria na genealogia mais importante da história: a genealogia do rei Messias. 


Em suma, embora saibamos que Davi tenha sido uma pessoa de boa conduta, não devemos ignorar o fato de que ele era um pessoa sujeita a errar durante a sua vida. Devemos entender que o ETERNO também dá oportunidades de arrependimento para as pessoas, ele não é aquele Ser totalmente cruel que pune as pessoas com a morte logo em seu primeiro vacilo. A ideia de um D'us 100% mal governando os antigos judeus, é uma ideia errônea transmitida pelo gnóstico Marcião, o qual foi considerado como "primogênito de satanás" por um dos discípulos do apóstolo João. 



Seja iluminado!!! 





Gostou do post? Compartilhe com seus amigos:

Postar um comentário

0 Comentários