Por: Cleiton Gomes
Façamos a leitura do seguinte texto bíblico:
"Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus. Este, de noite, foi ter com Yeshua e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de D'us; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se D'us não estiver com ele." (João 3:1-2).
Explicando. A palavra grega utilizada como "principais" é "αρχων" (archon), significando "líder", "chefe", "comandante" e "governador" (Strong: G758). Ele exercia a função de Parush (fariseu), sendo um dos líderes comandantes das questões relacionadas aos julgamentos no Sanhedrin (Tribunal/ Sinédrio). Existia o grande tribunal (composto por 70 membros) situado em Jerusalém, e outros pequenos tribunais (composto por 23 membros) nas cidades pequenas. Com certeza, Nicodemos fazia parte da mais alta patente de juízes no supremo tribunal. Segundo o Talmud (Gittin 56a:8), Nicodemos era um dos três homens mais ricos em Jerusalém naqueles dias, sendo conhecido também por ter orado ao ETERNO e feito cair água em abundância, enchendo assim os doze tanques de água que pediu emprestado do cruel oficial romano, para dar de beber aos peregrinos que estavam chegando para a festividade no Templo (Taanit19b: 15-16; Taanit 20a:1-4).
O fato dele ter ido visitar Yeshua durante a noite não configura medo de represália por parte de seus outros irmãos judeus-fariseus, mas sim por conta que Nicodemos era um homem atarefado e não houve tempo necessário para visitar o mestre durante o dia. Ademais, as sinagogas funcionavam como centro estudantil, onde os meninos eram alfabetizados no estudo da Torá, além de funcionar como um lugar de administração da justiça, reuniões políticas, prestação de serviços fúnebres, distribuição de alimentos aos pobres, etc. Em todas essas plúrimas atividades os fariseus estavam na liderança (Fonte dessa informação: Judaísmo Nazareno: O Caminho de Yeshua e de seus Talmidim, 3ª edição, 2017, página 221); sendo assim, mais uma vez afirmamos que Nicodemos era muito atarefado durante o dia.
De fato, ele não temia o julgamento de seus irmãos israelitas, tanto que defendeu Yeshua, apresentando soluções para a sua liberdade (João 7:50-51). Como um exímio conhecedor da Torá, demonstrou não compactuar com falsos julgamentos; aliás, a teologia judaica do Sinédrio dizia que todos os juízes deveriam ser exímios conhecedores da Torá para não ocorrer de fazerem falsos julgamentos (Lev. 19:15; Deut. 16:18-20), e nos julgamentos pelo menos uma pessoa deveria apresentar argumentos em favor do réu (Talmud Bavli, Sanhedrin 17a [:19-20]), regra que Nicodemos aplicou bem quando defendeu Yeshua.
Insta repetir: muitos sugerem que todos os fariseus eram inimigos de Yeshua e que Nicodemos foi ao encontro dele durante a noite por medo da represália dos demais p'rushim (fariseus). Todavia, esta teoria é enganosa, já que há registros históricos evidenciando haver muitos fariseus defendendo os mesmos princípios apregoados pelo Mestre, os da escola farisaica de Hilel, para ser mais específico. (Para mais detalhes sobre quem eram os fariseus, clique AQUI). Além disso, o próprio fariseu afirmou no plural "sabemos", indicando que mais pessoas acreditavam que as obras realizadas por Yeshua não eram feitas pela vontade do homem, senão que eram prodígios vindos do próprio Santíssimo.
Embora o texto bíblico diga poucas coisas sobre esse encontro, deduz-se com facilidade que Yeshua lhe ensinou muitas palavras de sabedoria naquela noite. Este fariseu demonstrou tanto respeito a Yeshua que, embora (sendo) um mestre em Israel, demonstrou não ter arrogância em seu coração, estando disposto a aprender como talmid (discípulo). Certamente ele não foi ali para ensinar, mas para aprender; isso é evidente no texto, já que não é ele que está conduzindo o diálogo e sim Yeshua. Embora fosse muito conhecedor da Escritura, demonstrou ter humildade ao reconhecer que ainda tinha que continuar aprendendo mais sobre as questões celestiais. Em síntese, após aquela noite tudo mudou na vida de Nicodemos, que passou a demonstrar ainda mais respeito por Yeshua. Ele até se preocupou em realizar os preparativos para o fúnebre de Yeshua com José de Arimatéia, o qual também era um fariseu (João 19: 38-42).
E mais: a mensagem do Messias sobre o novo nascimento não é como é entendido nas igrejas cristãs, pois, muitos evangélicos acreditam apenas no conceito abstrato de que o "crer é suficiente para herdar a vida eterna", vivendo uma vida quase de libertinagem; enquanto no judaísmo de Yeshua e de seus discípulos o novo nascimento está diretamente ligado com a obediência aos mandamentos da Torá (Mateus 19:17; I João 3:4-10; Tiago 2:14-22). A uma, porque muitos entendiam que as "águas vivas" se referiam aos mandamentos da Torá, e que "escavar o poço das águas vivas" era uma linguagem figurativa para falar de quem estava buscando retornar a praticar os mandamentos adequadamente, limpando Sua mente de todo engano do maligno (Documento de Damasco, Col.VI, 1-7 e Col.XIX, 33-35; Isaías 55:1,3). A duas, o Messias ensinou que todos os praticantes da Sua palavra seriam limpos dos enganos do maligno (João 15:3-7, combinado com Efésios 5:26). E qual foi o ensinamento pregado pelo Messias? A obediência aos mandamentos da Torá (Mateus 5:19; 23:1-3). Disso resulta que o novo nascimento está diretamente ligado à Teshuvá, isto é, ao regresso das práticas ligadas aos mandamentos do ETERNO; quem fizer assim encontrará descanso para a alma (Jeremias 2:20; 6:16,19). É assim que se dá o novo nascimento por meio do Espírito de D'us! (Ezequiel 36: 26-27).
Isso é tudo que sabemos a respeito daquele encontro. Se você souber algo a mais, por favor, escreva nos comentários. Shalom!
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