Por: Cleiton Gomes
Muitos entendem que Yeshua aboliu as regras dietéticas prescritas na Torá quando afirmou ser lícito comer de tudo, confira o texto: "porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assim declarou puros todos os alimentos". (Marcos 7:19).
Explicando: o contexto mostra os discípulos comendo pães com as mãos sujas, em seguida, chegaram alguns religiosos vindos de Jerusalém, afirmando não ser lícito comer com as mãos naquele estado de impureza ritual, sob risco de impurificar os alimentos. O escritor narra que “lavar as mãos antes do consumo de alimentos era uma tradição dos anciãos” (versos 2 a 8). Essa tradição se chama "Netilat Yadayim".
O ritual de purificação das mãos era bastante comum entre alguns judeus naquela época, no entanto, em casos específicos, outros judeus não se submetiam a determinados aspectos dessa tradição, acreditando haver casos específicos em que a regra não se aplicava. Ou seja, para muitos esta regra se aplicava apenas aos alimentos consagrados e consumidos no Templo de Jerusalém, sendo dedicados ao ETERNO; portanto, o crente no Altíssimo deveria purificar suas mãos antes das refeições consagradas. Assim, em momentos festivos a lavagem das mãos era indispensável, mas, em situações comuns do cotidiano, seguia a regra de lavar as mãos apenas quem quisesse. Sobre essa tradição, escreveu o rabino ortodoxo David Flusser:
“Mesmo os fariseus mais fanáticos daqueles dias balançariam suas cabeças em sinal de incompreensão caso alguém tivesse afirmado que Jesus havia infringido a lei de Moisés, porque seus discípulos nem sempre lavavam suas mãos antes de comer. "É razoável supor que até o período da destruição do templo e, possivelmente, mais tarde ainda, lavar as mãos antes de ingerir alimentos comuns não era algo aceito por todos os sábios nem tão pouco praticado por todo Israel".
(...)
O preceito de lavar as mãos antes de uma refeição não era compulsório naquela época pela simples razão de ser uma das regras de purificação não pertinente a todos os judeus, sendo somente obrigatória para grupos específicos que haviam-na aceito como um comprometimento para toda a vida." (JESUS; Editora Perspectiva, página 38).
No mesmo sentido, escreveu o historiador Geza Vermes:
“O debate sobre as causas da impureza ritual, contado de diferentes maneiras por Marcos e Mateus, foi provocado por especialistas da Torá de Jerusalém em visita, os quais, sentindo-se superiores aos locais, criticaram o descuido dos galileus seguidores de Jesus na observância de costumes religiosos. A oportunidade concreta da crítica foi o fato de os discípulos não lavarem as mãos antes da refeição. A ênfase no caráter obrigatório das tradições ancestrais, identificada como Lei oral adicional àquela da Escritura, era a marca registrada dos fariseus e dos seus sucessores rabínicos. Flávio Josefo já deixara isso claro ao escrever: “Os fariseus impuseram ao povo muitas leis da tradição dos patriarcas não escritas na Lei de Moisés” {Antiguidades 13.297). Marcos apresentou esse tema essencialmente judeu para o leitor não-judeu. Isto explica por que sentiu-se obrigado a dar uma lista detalhada dos regulamentos purificatórios judeus. Uma tal conferência de lavação de mãos, aspersões rituais e lavação de jarros e panelas de metal (Mc 7,3-4) dificilmente seria necessária para a audiência original de Jesus”.
(...)
“A interpretação do texto oferecida por um grande número de estudiosos do Novo Testamento, a saber, que Jesus falou contra e rejeitou formalmente a leis dietéticas do judaísmo, é equivocada. As palavras de Marcos (7,19), “Assim, ele [Jesus] declarava puros todos os alimentos”, não são de Jesus, mas foram inseridas como glosa pelo editor do Evangelho. Seu objetivo era superar as preocupações cristã-gentílicas sobre o caráter compulsório das leis dietéticas judaicas”. (O Autêntico Evangelho de Jesus, ed. Record, 2006, páginas 75-6, 392).
Consoante as declarações dos eruditos, fica claro entender que Yeshua não estava atacando as regras dietéticas prescritas na Escritura, mas sim afirmando que em situações comuns do cotidiano a "Netilat Yadayim" não se aplicava. E diz mais, aquela regra não era um mandamento prescrito na Torá, e sim, somente uma tradição de origem humana, criada pelos anciãos. Disso resulta que, ainda que Yeshua não seguisse aquela regra à risca com os seus talmidim ("discípulos"), os tais não estariam violando as verdadeiras regras da lei divina.
Além disso, antes de expor a sua compreensão sobre a matéria de pureza, mostrou que aqueles determinados fariseus deixavam seus pais sofrerem necessidades fisiológicas ao dizerem não poder ajudá-los, afirmando que todos seus bens estavam confiscados e/ou dedicados ao serviço do Templo, de modo a não poderem ser retomados para dá-los a outros que não fossem sacerdotes. Não obstante, “honrar pai e mãe” tinha total procedência sobre aquela tradição, de maneira que eles tinham total liberdade para ajudar seus pais a qualquer momento; porém, ao deixar de ajudar seus pais, estavam colocando a tradição acima dos mandamentos prescritos na Torá, acima da palavra de D'us, resultando em transgressão (versos 10 a 13). Tendo assim demolido o argumento dos seus oponentes afirmando serem eles os verdadeiros transgressores da Torá, proclamou que a preocupação exagerada com observâncias externas se constitui em empecilho para um bom desenvolvimento espiritual. A preocupação na purificação deve ter prioridade sobre no interior ("no coração"), pois, quando a mudança acontece de dentro para fora, o homem se torna limpo dentro e fora, simultaneamente. Mas, quando a preocupação é apenas exterior, grandes são as chances para seguir o caminho da hipocrisia.
Em suma, foi demonstrado que Yeshua não estava abolindo as regras sobre os alimentos prescritos na Torá, afinal a cláusula "e purificou todos os alimentos” não faz parte das verdadeiras palavras ditas por ele, sendo acrescentadas mais tarde a gosto modo dos tradutores. Além dos mais, os alimentos que os discípulos comiam eram pães e não carne de animais, de maneira que ainda que a cláusula em questão fosse verdadeira, os únicos alimentos purificados por Yeshua teriam sido aqueles que os discípulos estavam comendo naquele momento, a saber, os pães.
Assim sendo, exclua do seu modo de pensar a ideia de que Yeshua estava afrontando as regras de pureza da lei divina; aliás, é algo que não faria o menor sentido, já que anos mais tarde Pedro proclamou não colocar ou comer coisas imundas, significando que seu Mestre nunca o ensinou a comer carne de animais ilícitas! E mais, no tocante à distinção entre animais puros e imundos, o próprio Messias fez distinção ao afirmar os pescadores tiravam os peixes imundos de suas redes, devolvendo-os ao mar (Mateus 13: 47-48). Sendo assim, ele reconhecia e respeitava as regras de pureza da lei divina.
Seja iluminado!!!
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