Quem eram os fariseus? Todos eram hipócritas?

 Por: Cleiton Gomes 


O estudo a seguir dará uma rasteira em cristãos desinformados, pois iremos revelar a verdadeira identidade dos fariseus e a importância deles na civilização de sua época. Cabe destacar que o ensinamento de Yeshua possui verniz farisaica, já que os ensinos dele era semelhante ao dos fariseus em muitos aspectos (não todos, é claro). Dissemos que esse estudo dará uma rasteira nos desinformados, porque muitos cristãos aprenderam a ideia incorreta de que todos os fariseus eram hipócritas, que devem ser vistos como inimigos, bem como costumam dizer ser chamado de fariseu é uma espécie de xingamento. Afinal, quem eram os fariseus na bíblia? 


Os p'rushim (fariseus) foram sábios judeus que viveram do século II a.C até o século II d.C. Eles surgiram um pouco mais de 100 anos antes de Yeshua começar os seus ensinos; surgiram com a intenção de viabilizar o estudo da Torá para o povo leigo, pois eles (o povo leigo) já estavam começando a se apegar totalmente ao mundanismo. O significado raiz da palavra "fariseu" significa "separado", pois os fariseus eram líderes espirituais que viviam separados do mundanismo e se apegavam aos estudos da sagrada escritura. Não significa que eles se isolavam do mundo ficando distantes da sociedade, mas sim que mesmo vivendo dentro da sociedade não se apegavam às coisas do mundo. 


Muitos costumam ver em Esdras uma protofigura daquilo que os fariseus se tornariam mais tarde, pois Esdras era um escriba hábil, versado em conhecimento, zeloso. Quando terminou o exílio babilônico, o povo ainda continuava se inundando no paganismo, pois desconheciam a forma correta de praticar os mandamentos do ETERNO. Foi então que ele (Esdras) restaurou o padrão de culto, ensinando as pessoas a viver de acordo com o querer do Criador. Ele era, literalmente, uma pessoa separada do paganismo e dedicada ao serviço divino. 


Na obra "Sábios Fariseus" também iremos encontrar informações importantes sobre quem foram os fariseus, pois eles:


“... tiveram uma atuação histórica decisiva no destino do povo judeu.  O estudo da Torá e sua interpretação estava entre suas primeiras preocupações. Reunidos em pequenas comunidades, respeitavam todas as prescrições anunciadas pelos mestres e eram considerados modelos de piedade religiosa. Mesmo minoritários, terminaram por levar seus pontos de vista ao conjunto da população  e por impor regras de pureza antes restritas aos sacerdotes de Jerusalém. Mesmo assim não eram unânimes, nem monolíticos em suas interpretações da Torá. Em toda a literatura farisaica pode-se encontrar uma preservação de pontos de vista variados e de interpretações  conflitivas sobre vários temas e problemas.” (Evaristo E. de Miranda & José. Schorr Malca; Sábios Fariseus, edições loyola: 2001, página 23, grifos nossos). 


O comentário acima no sentido de que os fariseus eram piedosos, está de acordo com os dados deixados pelo historiador Flávio Josefo, que disse:


“... os fariseus tinham também a fama de ser muito piedosos e muito mais instruídos que os outros, em coisas de religião...” (História dos Hebreus, CPAD, 8ª edição, página 1018, grifos nossos).


Nos evangelhos, também, os fariseus são retratados como uma classe intensamente preocupada com questões legais e ativa na comunidade de Israel. Fica evidenciado, por exemplo, em tais exemplos como o incidente no plantio de trigo (Marcos 2:23–27), no episódio da cura no sábado (Marcos 2:1–12), no debate sobre o jejum (Marcos 2:18–22), e nos numerosos debates entre Yeshua e os fariseus sobre questões legais e doutrinárias (Marcos 7:1–22; 12:13–24). 


Antes de Yeshua nascer como homem, os fariseus já estavam desempenhando um papel fundamental no ensino das Escrituras em muitas regiões. Eles construíram diversas sinagogas em todas as regiões que passaram a viver, conforme registrou o nazareno, Tsadok Ben Derech:  


Os p'rushim estudavam a Torá e a ensinavam à população, incentivando que os homens comuns conhecessem a Palavra do ETERNO. Construíram sinagogas em diversas cidades de Yisraʼel com o objetivo de criar centros comunitários de congregação, oração e estudo das Escrituras. Graças ao trabalho incansável dos p’rushim, 50 anos antes do nascimento de Yeshua, cada vila da Terra Santa contava com uma sinagoga, todas detentoras de rolos da Torá a fim de viabilizar o estudo por parte do homem leigo.” (Judaísmo Nazareno: O Caminho de Yeshua e seus Talmidim, 3ª edição, 2017, página 221 e 222, grifos nossos).


As pessoas gostavam tanto dos fariseus, que Flávio Josefo chegou a declarar:


“... Honram de tal modo os velhos que ousam nem mesmo contradizê-los [...] Assim, cidades inteiras dão testemunhos valiosos de sua virtude, de sua maneira de viver e de seus discursos.” (Ob. Cit., página 830). 


Observe que a obra "Sábios Fariseus" salienta que não existia unanimidade na interpretação dos fariseus, isso porque existia não apenas uma comunidade de fariseus. Existia a escola farisaica do Rabino Hilel e a escola do Rabino Shamai. Isso se torna evidente quando lemos o comentário realizado pelo nazareno, Tsadok Ben Derech:


"... no primeiro século, existiam duas grandes escolas farisaicas: uma fundada pelo rabino Hilel (60 A.C a 10 D.C) e a outra instituída pelo rabino Shamai (50 A.C a 30 D.C). Estes rabinos criaram escolas conhecidas por seus nomes (Beit Hilel e Beit Shamai), envolvendo-se em inúmeras divergências acerca da aplicação da Torá. Expõe o Talmud 316 controvérsias doutrinárias entre ambas as escolas, sendo que em 261 ocasiões a Beit Hilel propunha regras mais flexíveis do que a Beit Shamai. Enquanto esta era mais rígida e conservadora na aplicação da Lei, aquela se demonstrava mais liberal, já que Hilel estabeleceu um padrão mais indulgente e misericordioso, sem desviar-se da Torá.

[...] 

A dissonância interpretativa das escolas tem como característica primacial a tendência restritiva dos shamaítas e a moderação dos hileítas, fruto do perfil psicológico de seus fundadores. Os discípulos de Hilel, seguindo a linha de seu Mestre, eram tranquilos, amantes da paz e dos homens, acomodando-se às interpretações às circunstâncias de seu tempo, promovendo o ensino da Torá para aproximar o homem do ETERNO e de seu próximo. Por outro lado, os discípulos de Shamai, tal como o criador da escola, eram severos e inflexíveis, objetivando tornar as regras mais rígidas, o que terminou por colocá-las como um “jugo pesado”. Na visão dos discípulos de Shamai, nenhuma regra era suficientemente rígida, ou seja, almejavam que os comandos religiosos se tornassem cada vez mais duros, austeros.


A interpretação mais rígida da Beit Shamai se relaciona, na maioria das vezes, à criação de normas rabínicas que estabelecem proibições e restrições à conduta humana, visando evitar a transgressão da Torá. O foco é a instituição de leis rabínicas (na maioria proibitivas) para prevenir a transgressão da Torá. Em sentido diverso, a Beit Hilel não se preocupava tanto com a criação de restrições de conduta, pois pensava que excessivas leis rabínicas proibitivas poderiam comprometer outros valores importantes da Torá. Dizendo de outro modo, a decretação de uma infinidade de leis rabínicas proibitórias termina por cercear a própria liberdade humana e a capacidade de convivência no seio social.


As diferentes cosmovisões da Beit Shamai e da Beit Hilel são fotografadas na passagem de Yerushalmi Chagiga 2:1 (com paralelos em Bavli Chagiga 12a). No texto, a Beit Shamai diz que os Céus foram criados em primeiro lugar, e depois a Terra; enquanto a Beit Hilel sustenta que a Terra foi criada em primeiro lugar e, em seguida, os Céus. Para Shamai, o foco principal é o Céu e isto nos obriga a nos remover da Terra, ou seja, enfatiza-se o cumprimento dos mandamentos a todo custo, ainda que seja necessário o isolamento social e o fim de uma vida agradável e prazerosa na Terra. 


Diversamente, o foco de Hilel é a Terra: devemos nos concentrar em viver de acordo com as nossas responsabilidades para envolvermos o mundo, e não sermos envolvidos por ele, isto é, a guarda dos mandamentos não deve nos isolar da sociedade, apesar de não sermos tragados pelo mundanismo.” (Ob. Cit., páginas 241 e 242).


Assim sendo, provavelmente, os fariseus da Beit Hilel possuíam a fama de piedosos enquanto que os fariseus da Beit Shamai eram inflexíveis e severos. E mais, muitos pensam que a ideia de chamar alguns fariseus de hipócritas foi algo que teve seu início com Yeshua. Não obstante, os próprios fariseus condenavam atos de hipocrisia de outros fariseus, tendo como objetivo fazer eles andar em retidão. Sobre isso podemos ler na obra "Sábios Fariseus", veja:


Criticar a hipocrisia de determinados fariseus, bem como seu pietismo feito de exterioridades e exteriorizações, não foi um privilégio dos evangelhos nem dos escritos de Qumran, mesmo que eles tenham estado muito longe de ser como figuras apresentadas  tão negativamente no Novo Testamento.  O Talmud trata os religiosos hipócritas de zebuim, "falam bonito, mas não agem bem".  Os rabinos fariseus caçoavam espirituosamente essas atitudes, chegando a classificar seus pietistas e hipócritas colegas em categorias como: fariseu ostentador, "que carrega suas mitzvot ao ombro";  fariseu autovalorizante, "que bate com os joelhos um no outro" dizendo: "Esperem por mim tenho de cumprir uma mitzva";  fariseu "que sangra", o qual, para evitar olhar para uma mulher, a fim de não ter pensamentos lúbricos, colide desajeitadamente contra a parede, e sangra o rosto;  fariseu "pilão", o qual, como um pilão de almofariz, anda com os olhos no chão simulando humildade devota, perguntando: "Indiquem-me mais alguma mitzvá que eu possa cumprir!";  e, finalmente, fariseu devoto, por medo do castigo de Deus.  Em conclusão, o Talmud pergunta: "Quem são os fariseus genuínos? E a resposta é exatamente o contrário do esperado a partir das críticas nos evangelhos contra esses sábios: "Aqueles que fazem a vontade de seu Pai do Céu porque O amam! E não porque a temem!” (Ob. Cit. páginas 29 e 30).


Veja que os próprios fariseus costumavam ser contra aqueles que eram hipócritas, que também eram fariseus. Ou seja, entre os próprios fariseus existiam aqueles que eram hipócritas. Assim, quando lemos que Yeshua chamou os fariseus de hipócritas (Mateus 23), ele estava apenas utilizando o mesmo argumento que outros fariseus utilizam para condenar atos de hipocrisia. 


Quando lemos Yeshua travando debates e tendo opiniões divergentes do pensamento de alguns fariseus, não significa que ele estava pretendendo criar uma outra religião divorciada do Judaísmo. Discordar, discutir e enfrentar idéias opostas é um valor espiritual na tradição judaica, pois essa troca de ideias permite o crescimento e elevação espiritual daquele que é repreendido. Essa liberdade de pensamento nos debates é entendido como uma expressão de democracia religiosa, já que o debate era uma forma de dialogar. 


No que eles trabalhavam? Eles eram pessoas de origem humilde e muitos eram carpinteiros, ferreiros, sapateiros, pescadores, policiais, pedreiros, tecelões, comerciantes, etc. Ou seja, todos tinham o seu próprio trabalho secular e não dependiam da oferta do povo para sobreviver, bem como não cobravam e nem recebiam o dízimo do povo, ainda que fossem líderes religiosos. Eles davam seus dízimos aos seus legítimos donos, a saber, os descendentes da tribo de Levi (Mateus 23: 23; Hebreus 7: 5).


No que eles acreditavam? Eles acreditavam em anjos, ressurreição dos mortos (Atos 23:8), imortalidade da alma, livre arbítrio, que a vontade do ETERNO já estava toda determinada nas Escrituras; acreditavam no juízo particular e juízo final. Do contrário a eles, os saduceus não acreditavam em anjos, nem em ressurreição (Mateus 22:23; Marcos 12:18), nem na imortalidade da alma, e davam muito pouco crédito à questão religiosa e se apegavam mais ao mundo político-governamental. Os essênios, por sua vez, não acreditavam em livre arbítrio e diziam que tudo acontece de acordo como o ETERNO determina que seja (Citação: História dos Hebreus de Flávio Josefo, CPAD, 8ª edição, página 590 e 1134).


Como dissemos no início deste estudo, o Messias compartilhava de alguns dos pensamentos dos fariseus. Nesse sentido, escreveu o historiador Geza Vermes: “... Sobre a ressurreição dos mortos, ele [Yeshua] exprimia a opinião dos fariseus” (Jesus e o mundo do Judaísmo, Edições Loyola, 1996, página 15).   Ao falar sobre os dois caminhos, Yeshua demonstrou que o homem tem a possibilidade de escolher entre o bem e o mal. Ao falar sobre a história do rico e Lázaro, Yeshua demonstrou que as almas não morrem com o corpo, discordando da interpretação dos saduceus que acreditavam que a alma morria com o corpo. Ao se apegar ao ensino das Escrituras em vez de se dedicar aos interesses políticos, Yeshua se demonstrou a favor dos fariseus, etc. 


Em suma, quando estudamos todo esse pano de fundo histórico compreendemos com bastante facilidade que nem todos os fariseus eram hipócritas, também entendemos a razão de o povo muitas das vezes apoiar a decisão dos fariseus (pois eles desempenharam um papel fundamental na educação do povo). Também vemos que os ensinos de Yeshua possuem verniz farisaica, daí, se todos os fariseus estavam errados em seus ensinos, significa que os ensinos de Yeshua também continham diversos erros. 


Sabemos que os ensinos de Yeshua não tinham erros, portanto, diversos pensamentos dos fariseus também estavam corretos. O Messias não condenou todo o modo de pensar de todos os fariseus, mas somente daqueles que eram hipócritas. A partir de hoje, leitor, saiba que ser chamado de fariseu não significa que você é uma pessoa maldita, rejeitada, etc. Entenda que muitos deles eram homens tenentes e separados ao serviço do ETERNO. 



Seja iluminado!!! 






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