O que é dom de línguas? (Parte 1)

Por: Cleiton Gomes 



No meio evangélico, se entende que o dom de línguas é algo como "decantolabaxéia" e "xaramanai". Pregam que todas as pessoas devem ser batizadas com este falar em línguas, caso contrário será uma pessoa que ainda não nasceu do Espírito. Pregam que a primeira evidência do novo nascimento é este tipo de falar em línguas. Claro, existem outros evangélicos que não acreditam dessa mesma maneira, entendendo que os mudos não falam, então como poderiam demonstrar que nasceram do Espírito sendo essa a única evidência? 


Antes de prosseguirmos, gostaríamos de declarar que não somos a favor desse tipo de falar em línguas, e as razões serão mostradas de agora em diante. Vamos lá. 


ENTENDENDO O SEGUNDO CAPÍTULO DO LIVRO DE ATOS DOS APÓSTOLOS 


A ideia de que o falar em línguas estranhas é um conceito bíblico, começa com uma má leitura do contexto de Atos 2, episódio que conta sobre o lugar que os discípulos de Yeshua estiveram reunidos, lugar que foram preenchido pelo Espírito de Elohim e começam a falar em outras línguas (Atos 2:4). Quando fazemos a leitura atenta desse contexto, vemos que os judeus estavam se reunindo para celebrar a festa de Shavuot (semanas), também conhecido como "festa de pentecostes". 


A festa de Shavuot é uma festa tão importante, que os israelitas de outras regiões se deslocavam de seus lares para ir até a cidade de Jerusalém para celebrar a festa. E quando lemos o texto de Atos, encontramos os textos que dizem que os israelitas de longe vieram para Jerusalém, e mais, o texto diz que eles eram falantes de outros idiomas diversos (Atos 2: 8-12). Assim, quando os discípulos de Yeshua falaram em línguas, as pessoas falantes de outros idiomas entenderam todas aquelas palavras que eles estavam dizendo, como se os discípulos tivessem estudado cada um dos idiomas e tivessem se aperfeiçoado totalmente. Ou seja, eles falaram na língua materna de cada um daqueles israelitas ali presentes, e também na língua dos prosélitos que foram para aquele lugar, já que o historiador Flávio Josefo fala que muitos se converteram formalmente à religião dos judeus naquelas cidades em que eles viviam. Eis a sua assertiva:


“.. Havia na cidade de Cirene burgueses trabalhadores, estrangeiros [gentios] e judeus. Estes se acham disseminados por todas as cidades, e seria difícil encontrar um lugar em toda a terra que não os tenha recebido ou onde eles não se tenham pacificamente estabelecido. O Egito e Cirene, quando estavam submetidos a um mesmo soberano, e várias outras nações tanto apreciaram os judeus que abraçaram os seus costumes. E, tendo sido criados e educados com eles, observaram as mesmas leis...” (História dos Hebreus: Antiguidades Judaicas, Livro Décimo Quarto, Capítulo 12; Ed. CPAD, 8ª edição - 2004).


De acordo com Josefo, havia judeus dispersos em outras regiões e de tanto vivenciar a Torá no meio dos gentios, muitos deles acabaram sendo arrastados pelo bom exemplo de obediência, passando a aceitar os mandamentos da Torá na vida deles. Veja que Josefo diz que havia judeus dispersos na cidade de Cirene e Egito, agora leia Atos 2: 9-11 e constate que essas são cidades citadas ali no texto. É em razão disso que se acredita que existia prosélitos no dia da festa de pentecostes, que tinha o seu próprio dialeto, a sua própria linguagem materna. 


Isso quer dizer que o contexto de Atos 2 não diz que os apóstolos falaram em idiomas desconhecidos aos próprios seres humanos. O falar em língua por meio dos discípulos, foram "idiomas que já existiam na terra e que outras pessoas já falavam". É por isso que os seus ouvidos ficaram admirados: "E todos pasmavam e se admiravam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são de Galil todos esses que estão falando? Como é, pois, que os ouvimos falar cada um na própria língua em que nascemos?" (Atos 2:7-8). 


No contexto você vê que não foi necessário a presença de intérpretes, já que cada uma das pessoas falantes de outros idiomas entendeu perfeitamente as palavras que saia da boca dos discípulos. A única possibilidade de dizer que ouve o falar de língua estranha, se explica por meio do seguinte exemplo didático. Digamos que o personagem X falou no idioma português, de modo que o personagem Y entendeu ja que ele também falava português. Mas o personagem S não entendia português já que ele falava inglês, de modo que a língua portuguesa era uma língua estranha para ele. Para ele aquele idioma era "desconhecido". Todavia, o personagem H, que também era discípulo de Yeshua, estava falando em inglês, de modo que o personagem H o entendia perfeitamente, porém, o personagem Y não entendeu, já que ele não entendia inglês e sim português, etc.. 


Somente nesse contexto é que existiu "a língua estranha", e não que o idioma falado pelos discípulos de Yeshua fossem desconhecidos por todo e qualquer ser humano existente na face da terra. E mais, muitos costumam dizer que ficar cheio do Espírito é uma experiência tão tremenda que as pessoas começam a cair ou cambalear, tudo pelo fato de existir um texto dizendo que os discípulos "estavam bêbados" (Atos 2: 13). 


No entanto, o leitor atento, sabe que quando disseram que os discípulos estavam bêbados, não foi para dizer que eles estavam caindo ou cambelando, mas sim para tentar debochar e desmoralizar as palavras deles. Como eles estavam falando em muitos idiomas um em seguida do outro, o som das vozes misturadas soava como a voz de vários bêbados, ou seja, um tanto que confusa para aqueles que não estavam prestando atenção nas falas. O próprio apóstolo Pedro tratou de refutar o deboche dos incrédulos, provando que os discípulos não estavam bêbados coisa alguma (Atos 2: 14-15).


A LÍNGUA DOS ANJOS


E ainda: Para tentar dizer que esse contexto prova que os discípulos falaram em idiomas desconhecidos por todos os seres humanos, muitos costumam citar o texto no qual o apóstolo Paulo fala sobre "a língua dos anjos" (1ª Coríntios 13: 1). Daí, dizem que os discípulos falaram a linguagem dos anjos lá em Atos 2. Mas, basta fazer uma leitura atenta do contexto desse texto de Coríntios, para se perceber que o apóstolo Paulo estava apenas usando uma figura de linguagem, uma hipérbole. Isto é, ele estava usando um exagero em suas palavras para intensificar as suas falas, o que fica evidente nas palavras de exagero que ele emprega durante todo o contexto. 


Mas, vamos pensar por um momento que a língua dos anjos seja um idioma literalmente desconhecido por todos os seres humanos, sendo um idioma que só os anjos conhecem. Sendo assim, se os discípulos falaram na língua dos anjos, devemos presumir que aquelas mais de 2 mil pessoas ali presentes na festa de Shavuot eram seres angelicais já que eles entenderam as palavras faladas pelos discípulos. No entanto, esse raciocínio é falho, já que o próprio contexto de Atos ensina que aquelas pessoas eram seres humanos comuns que viviam debaixo do céu, isto é, na terra (Atos 2: 5,14).


A LÍNGUA DOS ANJOS


Em toda a sagrada escritura, nos episódios que mencionam os anjos, nos informam que os anjos falaram a língua dos homens. Ou seja, o homem entendia o que o anjo falava e o homem entendia as palavras do anjo. Por exemplo, Jacó falou conversou com um anjo (Gênesis 32: 24-30), Abraão e Ló conversaram com anjos (Gênesis 18: 1-5,22; 19:1), Manoá conversou com um anjo (Juízes 13: 7-18), Maria e José conversarem com o anjo Gabriel (Mateus 1:18-21; Lucas 1: 27-38), etc. Em todos esses casos, os anjos falaram em idiomas que todos os seres humanos eram capazes de entender. Logo, não faz sentido dizer que não podemos entender a língua dos anjos. 



CORNÉLIO E O FALAR EM LÍNGUAS



Outro episódio bastante utilizado para dizer que o dom de línguas é pronunciar palavras ininteligíveis, é o contexto de Atos, no qual se diz que o apóstolo Pedro saiu para a casa de Cornélio. Quando Pedro começou a pregar para Cornélio e sua família, o texto diz que eles foram cheios do Espírito de Elohim e começam a falar em línguas (Atos 10: 44-46). Todavia, a explicação desse falar em línguas é explicado logo em seguida, pois Pedro explica que a família de Cornélio recebeu o Espírito da mesma maneira que os apóstolos (verso 47). E como já vimos, os apóstolos não falaram de uma maneira ininteligível à mente humana, pelo contrário, eles falaram palavras totalmente acessíveis à mente humana. 


Daí alguém poderia perguntar: Mas eles ensinaram quem ao falar em outros idiomas? Bem, basta pensar e aceitar que na própria família de Cornélio, ou entre os seus amigos que estavam ali, havia aqueles que falavam em outros idiomas e que precisavam de alguém para traduzir as falas deles, a fim de que uma conversa pudesse ser estabelecida. Ao falar em idiomas, cada um pôde entender o idioma um do outro sem precisar do auxílio de um tradutor humano. E mais, a mesma coisa pode muito bem ter acontecido em Atos 19: 6-7, já que os personagens ali eram em torno de 12 homens. 


A FESTA DE PENTECOSTES E O SINAL DAS OUTRAS LÍNGUAS 


Muitas pessoas desconhecem a festa de pentecostes. Pensam que ela surgiu no tempo dos apóstolos, mas a realidade é que ela existia a várias gerações antes dos apóstolos. Essa festa começou a não muito tempo depois da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. A festa de pentecostes, para quem não sabe, se trata de uma festa que tem por motivo agradecer ao ETERNO por ele ter entregado a sua Torá (instrução divina) ao homem, para lhes ensinar (Êxodo 24: 12).


No dia que a Torá foi entregue ao homem, foram vistas muitas vozes, conforme nos informa o texto a seguir: "E todo o povo viu as vozes e os relâmpagos, e o sonido do shofar, e o monte fumegando; e o povo, vendo isso retirou-se e pôs-se de longe." (Êxodo 20:18). Perceba que o texto fala de "vozes"; essa é a real tradução do que diz o texto em hebraico. Não obstante, muitos traduziram o texto como "viram os trovões", ocultando o que o texto está querendo realmente ensinar. 


Ensina o Midrash que quando a Torá foi entregue ao homem, a voz do ETERNO soou como uma buzina, e se repartiu em 70 vozes, em 70 idiomas. Eis as palavras do Midrash:


"Elohim falou e a voz reverberou por todo o mundo [….] a voz de Elohim, como foi pronunciada, se  repartiu em Setenta vozes, em Setenta idiomas, para que todas as nações entendessem". (Shemot Rabbah 5: 9).


O Midrash ensina que a voz do ETERNO se repartiu em 70 idiomas para que todas as nações existentes na terra, naquela época, entendessem as palavras da Torá. Isso soa familiar com o que falamos no início deste estudo? Mas perceba também que o texto bíblico diz que "o povo viu as vozes", do mesmo modo que os discípulos de Yeshua "viram as vozes repartidas como línguas de fogo" (Atos 2: 2-3). Mas, alguém pode ver uma voz? Não! Essa expressão é apenas uma forma de dizer que a voz do ETERNO pode ser sentida pelos humanos. 


Perceba que quando a Torá foi dada, o ETERNO repartiu o conhecimento da Torá para pessoas de todas as nações. E ele fez isso através das línguas que se repartiram. De forma idêntica, o ETERNO repartiu as vozes entre os discípulos de Yeshua, e todos eles puderam anunciar as maravilhas prescritas na Torá para as pessoas falantes de outros idiomas!!! Esse é o verdadeiro dom de línguas!! 


Continua… 


Seja iluminado!!!






 

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