Por: Cleiton Gomes
No mundo cristão há uma discussão sobre qual seria a verdadeira "fórmula batismal deixada pelo Messias". De um lado, pessoas defendem o batismo apenas "em nome de Yeshua", considerando que a fórmula batismal se encontra em Atos 2:38, de outro, a afirmação de que deve ser ministrado "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo", consoante o texto de Mateus 28:19. Com efeito, citaremos obras em defesa de que o batismo deve ser ministrado apenas em nome do Messias:
“Não podemos dizer que a fórmula batismal tripartite de Mateus 28:19 esteja correta…
(....)
o final do Evangelho de Mateus provavelmente teria sido acrescentado pelos escribas, por influências provocadas pelas controvérsias sobre a Santíssima Trindade, que envolveu a Igreja Católica Romana e sua formação nos séculos 3 e 4”. (Pr. Tony de Souza; Jesus: o único Deus verdadeiro, a maior revelação da Bíblia, 1ª Edição, 2018, páginas 114 e 118)
No mesmo sentido, o Pr. Jorge Luiz de Souza, afirma:
“De acordo com as escrituras, os apóstolos ensinaram de uma forma e eles [referindo-se aos crentes trinitários] fazem de outra forma. Os apóstolos ministravam o batismo nas águas “Em nome de JESUS”. Ainda hoje, esta é a forma apostólica de realizar o batismo nas águas. Como vimos, não encontramos na Bíblia outra forma de batizar”. (Doutrinas Apostólicas, 1ª parte, 2013, página 31, grifo meu).
Na obra “Introdução Bíblica”, publicado pela Casa Publicadora Pentecostal (CPP), contém o seguinte pensamento:
"Jesus não disse que seus discípulos batizassem, usando as palavras, "Pai, Filho, e Espírito Santo." Ele disse-lhes que batizassem em NOME (singular) do Pai, Filho e Espírito Santo. O nome é JESUS". (Instituto bíblico apostólico (IBA), capítulo XI: contradições e erros alegados na Bíblia, página 83).
Agora serão citadas obras afirmando que a imersão deve ser na forma trinitária. Com efeito, citamos o comentário do site “Pastor Ciro responde”, confira:
“Nos argumentos empregados pelos pentecostais da unicidade para negar a Trindade vemos uma tentativa de fazer prevalecer a lógica humana. E o fato de afirmarem que os apóstolos batizavam somente em nome de Jesus, e não conforme Mateus 28.19, demonstra total falta de conhecimento do contexto da Palavra de Deus e oposição ao próprio Senhor Jesus, a quem dizem honrar acima de tudo. Afinal, se Jesus deixou-nos a fórmula batismal trinitária, em nome da Trindade, por que essa tentativa de usar a própria Bíblia para opor-se à ordenança do Deus Filho?” (Bibliografia: Pastor Ciro Responde)
Agora, confira o dizer encontrado na obra “a bíblia responde”, publicado pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), veja:
“O batismo deve ser ministrado em nome da Trindade: Mt 28.19”. (CPAD, A Bíblia Responde, Rio de Janeiro, 1983, página 60).
Poderíamos citar vários comentários, de diversos autores, sobre o tema examinado, contudo, estes são suficientes para se entender que existe uma grande discussão entre estes grupos cristãos. Afinal, qual destes grupos está correto?
Para compreender o assunto, é necessário entender como os judeus entendiam o significado da imersão nas águas ("batismo"). Na época em que viveu Yeshua, existia um debate doutrinário entre os alunos das escolas farisaicas, a Beit Hilel e a Beit Shamai. A escola de Shamai acreditava que um novo convertido só poderia fazer parte de sua comunidade se primeiro passasse pela circuncisão na carne de forma obrigatória. Já a Beit Hilel, aceitava o novo convertido em sua comunidade se primeiramente fizesse a imersão nas águas. Eis um trecho do Talmud sobre essa discussão:
“Os Sábios ensinaram em um baraita: Com relação a um convertido que foi circuncidado, mas não foi imerso, Rabi Eliezer diz que este é um convertido, pois descobrimos com nossos antepassados após o êxodo do Egito que eles foram circuncidados, mas não foram imersos. Com relação àquele que foi imerso, mas não foi circuncidado, Rabi Yehoshua diz que este é um convertido, pois descobrimos com nossas antepassadas que eles imergiram, mas não foram circuncidados". (Talmud Bavli, Yevamot 46a).
Quando lemos o que os discípulos de Yeshua escreveram, vemos eles se posicionando com o mesmo modo de pensar dos hileítas, acreditando que a circuncisão na carne não deveria ser imposta sobre o novo convertido, bastando apenas a imersão nas águas para que o mesmo fosse aceito dentro de sua comunidade (Atos 2: 38; 8:16; 10:48; 19: 1-7; 22:16). Sobre isso escreveu o professor nazareno, Tsadok Ben Derech:
"Antes de receber a Torá no Sinai, o ETERNO determinou que os israelitas lavassem suas roupas e se banhassem com água (Shemot/Êxodo 19:10-14), instituindo outros rituais de purificação pelas águas (Vayikrá/Levítico 26 e 27). Com base no Judaísmo rabínico, estas passagens, dentre outras, justificam a instituição da imersão ritual nas águas para aqueles que se convertem (tevilá ou “batismo”). E esta é a razão de ser da imersão (“batismo”) ordenada por Yeshua em Matityahu/Mateus 28:19. O Mashiach não inventou o “batismo”, como erroneamente pensam os cristãos, mas tão somente determinou que os recém-convertidos passassem por um ritual de purificação que é extraído da tradição judaica.
Logo, o ingresso de gentios na comunidade dos nazarenos exigia como requisito formal a tevilá (“batismo”), e não a b’rit milá (circuncisão), concordando-se com a halachá da Beit Hilel. Porém, a b’rit milá é mandamento da Torá (Gn 17:9-14) e não foi revogada, disso resultando que o gentio poderia posteriormente optar pela circuncisão de modo voluntário (e não sob pressão), caso optasse viver como judeu". (Judaísmo Nazareno, o Caminho de Yeshua e de seus Talmidim, 3ª edição, 2017, página 254).
Pensam erroneamente os cristãos que Yeshua inventou uma "fórmula batismal", "um antídoto criado para perdoar o pecado original herdado hereditariamente desde Adão". No entanto, a ideia de pecado original herdado de pai para filho está incorreta, fruto de má interpretação de textos bíblicos. Além disso, vale destacar que o Messias não inventou nenhuma fórmula batismal, de modo que os textos de Mateus 28:19 e Atos 2:38 não são fórmulas batismais. Em momento algum o Messias disse "hoje estou criando uma fórmula batismal, repita exatamente essas palavras sem errar uma única letra, caso contrário o batismo será inválido". A única ordem do Messias é fazer a imersão nas águas.
Já que a imersão nas águas é um conceito judaico de purificação praticado antes mesmo de Yeshua nascer como homem, basta entender que durante essa purificação os judeus citam apenas uma bênção, em agradecimento ao ETERNO, confira dois exemplos:
"Bendito sejas Tu, Adonai, nosso Elohim, Rei do Universo, que nos santificaste com teus mandamentos e nos ordenaste acerca da imersão".
Ou também:
"Bendito sejas Tu, Adonai, nosso Elohim, Rei do Universo, que nos santificaste pela imersão em águas vivas".
Ambas as bênçãos podem ser pronunciadas livremente, pois uma não anula a outra. No mesmo sentido, os dizeres de Mateus 28:19 não anulam os de Atos 2:38, vice-versa, isso é comprovado pelo especialista John Ligthfoot, qual identifica que ambos os dizeres foram utilizados pelos apóstolos:
“Os apóstolos batizavam os judeus em nome de Jesus, o Filho; e os Gentios, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Commentary on the New Testament from the Talmud and Hebraica, Volume II, Hendrickson Publishers, 2003, página 383).
E mais: muitos tentam desqualificar a originalidade de Mateus 28:19, afirmando ter sido adulterado pela igreja católica apostólica romana, com intuito de comprovar o dogma da trindade. Não obstante, existem documentos mais antigos que a igreja católica romana, constando a cláusula "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito [do] Santo”, tal como lemos nas bíblias atualmente. Uma prova disso é a bíblia em aramaico (Peshitta), sendo um documento que não passou pelas mãos da igreja católica romana, concluindo que não houve manipulação no texto.
Eis o texto em aramaico de Mateus 28:19:
ܙܸܠܘ ܗܵܟܹܝܠ ܬܲܠܡܸܕ݂ܘ. ܟܠܗܘܿܢ ܥܲܡ̈ܡܹܐ. ܘܐܲܥܡܸܕ݂ܘ ܐܸܢܘܿܢ ܒܫܸܡ ܐܲܒ݂ܵܐ ܘܲܒ݂ܪܵܐ. ܘܪܘܼܚܵܐ ܕܩܘܼܕ݂ܫܵܐ
No texto existem as seguintes palavras AḆA (ܐܲܒ݂ܵܐ), que significa "Pai". Também tem a expressão WAḆRĀ (ܘܲܒ݂ܪܵܐ = Filho), bem como existe a expressão W'RŪḤĀ D'QUDSHĀ ou Rucha D'Kudsha (ܘܪܘܼܚܵܐ ܕܩܘܼܕ݂ܫܵܐ = Espírito do Santo/ Espírito de Santidade/ Espírito, o Santo). No manuscrito hebraico DuTillet também consta a mesma cláusula. E além destes documentos, existem manuscritos em grego constando a mesma cláusula, são eles: (1) Codex Sinaiticus, (2) Codex Alexandrinus, (3) Codex Vaticanus, (4) Codex Washingtonianus e (5) Codex Bezae.
(Fonte das informações sobre os manuscritos: Congregação Messiânica, B'nei Or )
E ainda: o pensamento dos apóstolos possuía verniz essênia, dado que os Essênios de Qumran realizavam a imersão nas águas, acreditando que a mesma era apenas uma forma exterior de demonstrar uma mudança acontecida no interior. Ou seja, a conversão do crente acontece primeiramente no coração, sendo demonstrado publicamente no ato de imersão. Sobre esse aspecto interior e exterior, escreveu William Tyndale:
“Os membros da comunidade de Qumran viam a si mesmos como a comunidade da aliança dos últimos dias e, por isso, habitavam no deserto, vivendo de modo ascético e imergindo-se diariamente em atos de purificação cerimonial. Ao mesmo tempo, ensinavam que o arrependimento interior devia ser acompanhado de um ato exterior (1QS 2.3). A natureza sacramental de seu batismo é vista no fato de que somente um membro pleno da comunidade poderia praticá-lo, e somente após dois anos probatórios (5.6)". (Dicionário bíblico Tyndale; Ed. Geografia, 2015, página 229).
Esse mesmo conceito foi aplicado pelo apóstolo Pedro, que repreendeu Simão por não demonstrar conversão em seu coração, de modo que o batismo exterior nesta pessoa foi inválido (Atos 8:16-24). O apóstolo entendia que a verdadeira mudança acontece de dentro para fora, começando no coração. Sem essa mudança no interior, a imersão exterior do corpo não passa de uma simples lavagem (Atos 3:19). Visto isso, fica simples afirmar que o perdão não é liberado pela forma como as palavras são ditas pelo ministro, nem as águas são o antídoto contra o pecado. Quem perdoa os pecados é o próprio ETERNO, quando o ser humano decididamente abandona o pecado (Provérbios 28: 13), de modo que o perdão dos pecados pode acontecer antes, durante, ou depois do batismo.
Em sentido idêntico a esta nossa afirmação, o Dr. Kenneth Wuest (o autor de Word Studies in the Greek New Testament), escreveu:
“O batismo nas águas é o testemunho exterior da fé interior do crente. A pessoa é salva no momento em que coloca sua fé no Senhor Jesus. O batismo da água é o testemunho visível da sua fé e da salvação que lhe foi dada em resposta a essa fé”.
Ou seja, conforme o Dr. Kenneth, existe a probabilidade de a pessoa receber o perdão mesmo antes de ter passado pela imersão nas águas, já que o ritual servia como uma prova exterior de uma transformação que ocorreu no interior do homem.
Após ler tudo isso, muitos podem concluir que não necessitam passar pela imersão nas águas, acreditando que podem receber perdão dos pecados mesmo sem a lavagem ritual. Não obstante, tal conclusão seria enganosa, visto que o batismo nas águas na perspectiva apostólica é símbolo de atar uma nova aliança com o Messias, de maneira que os que não se deixarem ser batizados, estarão rejeitando a aliança. Para entender melhor esse conceito de aliança, consulte os dois estudos sobre "as duas casas de Israel", postados aqui nesta página.
Em suma, chegamos ao final deste estudo. Sabemos que muitos outros detalhes ainda poderiam ser discutidos, no entanto, responder todas as perguntas sobre o batismo não foi a nossa intenção neste estudo. Caso queira deixar tirar dúvidas, faça seus comentários abaixo, fique à vontade.
Seja iluminado!!!
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