Por: Cleiton Gomes
Extraído da obra: Ainda Há Esperança - O Chamado para Retornar, 2020, páginas 255 a 261. Obs: O artigo abaixo foi revisado e ampliado.
Nesse trecho iremos aprender sobre o embate que teve entre o apóstolo Paulo e o apóstolo Pedro, pois muitos tem feito parecer que Paulo era inimigo dos outros apóstolos e que somente ele é que tinha o evangelho da salvação, enquanto que o evangelho dos outros apóstolos era anátema. Pois bem, vamos começar.
Façamos a leitura do texto:
"E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? Nós somos judeus por natureza, e não pecadores dentre os gentios. Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Pois, se nós, que procuramos ser justificados em Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo transgressor." (Gálatas 2:11-18).
Neste episódio se conta que o apóstolo Pedro foi até Antioquia verificar o trabalho missionário de Paulo e Barnabé. A pregação em Antioquia não começou através de Paulo e nem de Barnabé, mas sim através dos crentes judeus que fugiram para lá quando Paulo ainda não era um dos crentes em Yeshua. A pregação entre os gentios de Antioquia, ao aí parece, aconteceu somente depois que Pedro já havia começado a pregar entre os gentios da família de Cornélio (Atos 10). Isso significa que quando Pedro foi para Antioquia, ele já sabia que era lícito pregar entre os gentios.
No episódio citado, Paulo conta que Pedro estava em Antioquia desfrutando de harmonia com os gentios, comendo na mesma mesa que eles. No texto não é dito qual era o alimento que Pedro estava comendo, mas tudo indica que era alimento lícito (alimento casher), pois o próprio Pedro disse que jamais colocou ou colocaria coisas imundas em sua boca (Atos 10). E, talvez, se os gentios estivessem comendo alimentos considerados não-casher, seria somente porque eles ainda eram novos convertidos e não se podia fazer cobrança além daquilo que eles conheciam. Em outras palavras, se eles não sabiam praticar o mandamento da alimentação lícita, não faria o menor sentido realizar uma cobrança ou humilhá-los por não estarem a comer carne casher (lícita). E mesmo que os crentes gentios estivessem comendo carne não-casher naquele momento, não significa que Pedro também estava comendo com eles.
Também podemos especular que Paulo já havia começado a ensinar sobre a alimentação casher entre os discípulos gentios, isso significaria que eles estavam comendo alimentos totalmente lícitos naquele momento e, por isso, Pedro estava comendo junto com eles. Ou ainda, podemos especular que todos eles poderiam estar a comer outras coisas que não fossem à base de carne de animal naquele momento. Já que o mandamento da alimentação casher só recai sobre o uso da carne de animais, então as frutas e os produtos agrícolas, todos são considerados casher.
Prosseguindo. Enquanto Pedro estava comendo com os gentios, algumas pessoas chegaram naquele lugar e começaram a criticar os judeus (Pedro e Barnabé) que estavam comendo na mesma mesa que os gentios. Eles (os que haviam acabado de chegar ali) nem se preocuparam em falar sobre o tipo de comida que eles estavam comendo naquele momento, pois, segundo o entendimento de alguns judeus daquela época, nem era permitido sentar na mesma mesa que os gentios. Isso já seria um pecado gravíssimo, pois seria o equivalente a se contaminar com eles.
Pedro não tinha mais esse preconceito, por isso que ele estava sentado com os crentes gentios e comendo com eles. A confusão toda não começou por causa de Pedro, nem de Barnabé, mas sim por causa daqueles que haviam acabado de chegar ali, foram eles que quiseram impor aquelas restrições de preconceito contra os gentios, bem como quiseram impor a circuncisão obrigatória para eles (para os crentes gentios). Ao chegar naquele lugar, começaram a criticar a atitude de Pedro, pois estava comendo na mesma mesa que os gentios.
As palavras lançadas contra Pedro e Barnabé foram tão pesadas, que Pedro se viu obrigado a se levantar da mesa e logo em seguida Barnabé fez o mesmo. Enquanto toda discussão acontecia, Paulo ficou de longe, calado, e apenas observava o método de defesa do evangelho por parte de Pedro, até porque Pedro era um dos maiores representantes da comunidade judaica assim como Tiago. Ele (Paulo) esperava que Pedro desse conta do recado e conseguisse refutar aqueles preconceitos lançados contra os gentios, mas para a sua infelicidade, o apóstolo Pedro acabou ficando com medo de defender a pregação entre os gentios e cedeu às críticas, começando a perder a sua moral como líder de uma importante comunidade de restauração e também como defensor do evangelho. É por isso que o texto fala que ele "se tornou repreensível" naquele momento.
Foi vendo isso que Paulo levantou a sua voz e começou a repreender todos eles, exceto os crentes gentios. Paulo repreendeu aqueles que criticaram Pedro e também repreendeu a atitude de Barnabé. Mas a maior crítica foi lançada para Pedro, já que os líderes sempre recebem uma cobrança muito maior que os membros, devido ao nível de conhecimento que eles possuem. Depois, Paulo começa a relembrar Pedro de que a justificação pela fé faz parte de um conceito judaico e que ele não deveria ter medo de ensinar isso para os seus irmãos judeus. Pelo contrário, deveria começar a divulgar essa palavra de uma forma ainda mais fervorosa.
É isso mesmo que você está pensando, querido leitor. O apóstolo Paulo estava explicando que o conceito de justificação pela fé não era algo que fosse contrário aos conceitos existentes entre o povo de Israel, mas que o conceito de justificação pela fé era uma ideia totalmente judaica. Mesmo sendo uma ideia judaica, Pedro acabou se esquecendo de falar isso para aquelas pessoas que o criticaram, e talvez ele perdeu sua voz pelo simples fato de que "pregar entre os gentios" ainda era uma ideia muito nova para ele, pois havia pouco tempo em que ele havia tido a experiência de pregar entre os gentios (Atos 10).
Todos os dois apóstolos sabiam que o conceito de justificação pela fé faz parte das ideias concebidas entre os judeus, e diz que aquele ideia não era estranha como se ela tivesse sido dada recentemente por algum pagão entre os gentios. E, é exatamente isso que Paulo faz questão de relembrar Pedro, conforme podemos conferir logo abaixo:
"Nós somos judeus por natureza, e não pecadores dentre os gentios. Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Yeshua, o Messias, temos também crido em Yeshua, o Messias, para sermos justificados pela fé no Messias, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Pois, se nós, que procuramos ser justificados no Messias, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura o Messias ministro do pecado? De maneira nenhuma." (Gálatas 2:15-17).
Não temos a absoluta certeza do que foi falado por aqueles que haviam acabado de chegar naquele lugar, mas tudo indica que disseminaram o preconceito contra os gentios, bem como tentaram obrigar os gentios a praticar determinadas regras. Tudo indica que eles tentaram aplicar algum tipo de norma obrigatória quais eram de origem rabínica, por isso o texto faz menção às “obras da lei”. Pois "obras da lei" era uma forma de nomear as regras rabínicas, e essas regras foram combatidas principalmente na carta aos Gálatas.
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Continuando. É muito provável que este embate entre os apóstolos (Pedro e Paulo) tenha ocorrido há algum tempo antes de ter acontecido o Concílio de todos os apóstolos na cidade de Jerusalém (Atos 15). Acreditamos assim porque em Gálatas 2, vimos Paulo discutindo com Pedro por ele não ter tido coragem suficiente para defender as boas novas entre os gentios naquele momento, significando que ele ainda não era madura o suficiente para pregar e determinar o que seria melhor aos crentes gentios. Porém, ao fazer a leitura de Atos 15, vemos que o apóstolo Paulo permaneceu calado enquanto todos os outros apóstolos determinavam o que seria melhor a ser aplicado aos gentios novos convertidos. Naquele episódio, Pedro defende as boas novas entre os gentios com bastante ousadia, demonstrando que já tinha evoluído bastante no seu método de pregação (Atos 15: 6-11). Ao final das decisões tomadas no conselho apostólico, vemos que Paulo irá concordar com todas as decisões que foram tomadas pelos outros apóstolos, inclusive, concordou com as decisões do apóstolo Pedro.
É digno de nota destacar que não existe um evangelho paulino e um evangelho petrino, como se fossem dois evangelhos diferentes. Se fosse assim, Yeshua seria um mestre bipolar, pois veja: foi Yeshua que ensinou o apóstolo Pedro de forma presencial, ensinando-o a andar nas veredas antigas de forma adequada. Inclusive, Paulo reconhece que o ETERNO operou eficazmente sobre a vida de Pedro (Gálatas 2: 8). Foi o próprio Yeshua que ensinou Pedro e os demais apóstolos, dando-lhes voz de comando para eles serem seus representantes entre outras regiões em que o evangelho fosse pregado (Mateus 10: 41). Se as palavras ensinadas por Pedro são aquelas que Yeshua lhe ensinou, que razão temos para dizer que o evangelho pregado por ele e os outros apóstolos era anátema e somente o evangelho de Paulo é que estava correto? Absolutamente nenhuma razão, pois se disséssemos que o evangelho pregado por Pedro era anátema, automaticamente estaríamos dizendo que Yeshua cometeu o erro de ensinar uma doutrina anátema (maldita) para ele. Porventura Yeshua teria designado Pedro e os demais apóstolos somente para pregar mentiras em outras regiões? E as pessoas que foram convertidas por meio da pregação dos apóstolos, será que todas elas foram enganadas? Porventura o agir do Espírito de Elohim sobre a vida daqueles que ouviram a pregação dos apóstolos não foi real?
Essas e outras perguntas nos fazem entender que não há razões suficientes para acreditarmos que o evangelho de Paulo era essencialmente diferente do pregado por Pedro. Nos faz acreditar que Pedro e Paulo pregavam o mesmo evangelho, com a diferença de que o público alvo de Pedro era voltado para os judeus, enquanto que o público alvo de Paulo eram as pessoas de outras nações. Isso não significa que Pedro não tinha autorização para pregar para pessoas de outras nações, mas sim que essa função já havia sido delegada a Paulo por meio dos apóstolos quando lhe deram "a destra da comunhão". Expressão essa que significa que o apóstolo Paulo recebeu carta branca, uma autorização apostólica para pregar as boas novas entre os gentios.
O evangelho pregado por Paulo estava essencialmente em harmonia com os ensinamentos daqueles que eram apóstolos antes dele (Gálatas 2: 7-10). Assim sendo, a única diferença está na metodologia de abordagem dos assuntos e não na essência do evangelho em si. Isso se dá pelo fato de que a mesma verdade pode ser dita por meio de várias maneiras diferentes sem que a essência do conteúdo pregado sofra modificações. Foi justamente por não existir diferença entre o evangelho pregado por ele e os demais apóstolos, que Paulo foi reconhecido como sendo um dos principais defensores da comunidade nazarena (Atos 24: 5, 14). A mesma comunidade nazarena que era liderada pelos outros apóstolos.
Talvez alguém acredite que se trata de evangelhos diferentes por causa da expressão usada por Paulo quando afirmou: "antes, pelo contrário, quando viram que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a Pedro o da circuncisão" (Gálatas 2: 7). Tais palavras não devem ser entendidas como se fossem dois evangelhos diferentes, já que a expressão utilizada é apenas uma forma de se referir à quando o evangelho estaria sendo pregado entre os judeus e entre os gentios.
PAULO E A CIRCUNCISÃO NA CARNE
Importa registrar que o livro de Gálatas trabalha muito em torno da aplicação do mandamento da circuncisão na carne, porém, a intenção de Paulo não era destruir esse mandamento e sim falar sobre o falso método de aplicação que estavam fazendo sobre ele. Paulo entendia que o mandamento da circuncisão na carne era proveitoso em vários sentidos (Romanos 3: 1-2), e também entendia que ele era facultativo para os gentios de outras nações, os gentios naturais. Embora este mandamento fosse facultativo para os gentios, um grupo de pessoas estava querendo aplicar este mandamento de forma obrigatória em todos os gentios, esta foi a razão pela qual o apóstolo levantou a sua voz para protestar contra eles.
Sabemos que Paulo não era contra o mandamento da circuncisão por vários motivos. O principal motivo é que Tiago avisou para Paulo que ele estava sendo acusado de pregar contra o mandamento da circuncisão na carne e também contra toda a Torá (Atos 21: 18-24), e para se defender de todas essas acusações, Paulo sustenta que ele não era contra os mandamentos da Torá e que não havia como provar ao contrário do que ele estava falando (Atos 24: 13-14; 25: 7-8). Ou seja, todas as acusações eram falsas, por isso não havia provas contrárias às afirmações dele. Se caso ele realmente fosse inimigo da Torá, certamente teríamos total direito de dizer que ele era um filho das trevas, um apóstata e nada mais (Isaías 8: 16, 20).
A IDENTIDADE DAQUELES QUE LANÇARAM PRECONCEITOS CONTRA PEDRO
Lendo as Escrituras, veremos que existiam vários grupos que carregavam o título de "os da circuncisão". Alguns desses grupos eram formados apenas por "falsos irmãos", que se introduziram no meio dos apóstolos apenas para "espionar" o que eles faziam e gerar intriga entre eles:
"E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Yeshua, o Messias, para nos porem em servidão" (Gálatas 2:4).
Lendo com cuidado o capítulo 2 de Gálatas, fica muito óbvio sugerir que "aqueles que vieram da parte de Tiago" fazia parte do grupo daqueles que eram os "falsos irmãos", não que o apóstolo Tiago fosse culpado disso, até porque ele não tinha culpa de muitos viverem dizendo que eram seus discípulos sem realmente ser. Eles disseram que vieram da parte de Tiago, porém, tudo indica que eles falaram isso apenas para que ninguém suspeitasse da intenção deles em espionar o que os nazarenos faziam na cidade de Antioquia.
É bem provável que eles fossem da seita dos fariseus shamaítas ou ex-integrantes daquela comunidade, pois eram eles que tentavam impor a circuncisão de forma obrigatória aos gentios da cidade de Antioquia, tal como ocorreu em outro episódio da Escritura (vide, Atos 15: 1,5). Outro indício que mostra que eles eram falsos irmãos, se dá pelo fato de eles pregaram algo contra Pedro e Barnabé, mostrando então que eles tinham pensamentos diferentes da dos apóstolos, pois se eles fossem irmãos verdadeiros nunca teriam criado todo aquele problema naquela cidade, naquele momento em que Pedro estava comendo com os gentios.
Além disso, Paulo começou a pregar em Antioquia somente depois de ter voltado da Arábia, onde ele passou muitos anos meditando no ensinamento correto da sagrada escritura (Gálatas 1: 17; 2: 1). Quando ele voltou de lá, passou alguns anos em Damasco e depois foi para Jerusalém. Algum tempo depois os apóstolos de lá lhe ordenaram que ele ficasse na cidade de Tarso. Quando, então, os irmãos dispersos começam a pregar aos gentios lá em Antioquia e essa novidade chega aos ouvidos dos apóstolos que estavam em Jerusalém, eles mandam Barnabé para lá. Depois de chegar naquela cidade e conferir que era verdade o que se havia dito, ele vai para a cidade de Tarso para trazer Paulo, para que juntos pudessem discipular os gentios daquela região (Atos 11: 19-30).
Foi durante esse tempo que Paulo estava pregando em Antioquia que Pedro vai para lá, e até come junto com os discípulos de lá. Tudo isso indica que o apóstolo Tiago (um daqueles que ordenou que Barnabé fosse até Antioquia) também já era a favor de pregar entre os gentios, e que não existia preconceito aos gentios por parte dele, de modo que fica ainda mais óbvio declarar que aqueles que foram para Antioquia e se declararam "da parte de Tiago" e começaram a pregar diferente dos apóstolos, todos eles eram apenas falsos irmãos que se infiltraram no meio apostólico para poder gerar dúvidas e divisões entre os discípulos deles.
Em suma, Paulo estava dando uma recomendação aos Gálatas, dizendo para eles tomar cuidado com os falsos irmãos, que como já dito, poderiam ser integrantes ou ex-integrantes da comunidade farisaica shamaíta já que o ensino deles era repleto de ensinamentos rabínicos, as famosas "obras da lei". Esses ensinamentos foram combatidos pelos apóstolos, que nos revelaram a verdadeira maneira de aplicar e praticar os mandamentos da Torá.
Seja iluminado!!!
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