Por: Cleiton Gomes
Extraído da obra: Ainda Há Esperança - O Chamado para Retornar, 2020, 1ª edição, páginas 270 a 278. Obs: o texto em questão foi revisado e ampliado.
Muitos costumam citar o texto de Gálatas 3: 24-25 para dizer que a Torá foi apenas um tutor, que perdeu a sua importância assim que o Messias chegou no mundo em que vivemos. Dizem que ela (a Torá) se tornou inútil e que hoje não estamos mais sujeitos a nada que diz respeito a ela. Para demonstrar que não estamos inventando esta conclusão, citaremos a conclusão do cristão Frank Thielman, no sentido de que a Torá é que estava sendo depreciada por Paulo:
"Antes da cruz, o povo de Deus vivia em uma era dominada pela escravidão sob a lei mosaica. Depois da cruz, o povo de Deus passou a viver em uma era escatológica, quando a … lei foi removida de sobre eles.
(...)
Todavia, ao retornar à era da lei mosaica, os gálatas e seus mestres deram início a uma tentativa infrutífera de nadar contra a corrente da história da salvação [...] Ao reintroduzir a lei, eles voltaram no tempo, ao período da maldição da lei, e decidiram viver debaixo dessa maldição em lugar da solução divina". (Teologia do Novo Testamento, uma abordagem Canônica e Sintética, 1ª edição, 2007, páginas 318 e 319).
Contudo, essa interpretação parte de um texto que foi traduzido para outros idiomas de uma forma totalmente incorreta, fruto de manipulação daqueles que querem destruir a importância da Torá, ou fruto da falta de atenção dos tradutores na hora de realizar esse trabalho de tradução. Eis o texto da forma como lemos na maioria das bíblias que temos em nosso idioma:
"De maneira que a lei nos serviu de tutor, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de tutor." (Gálatas 3:24-25, Bíblia Almeida Corrigida Fiel, 2011).
Qualquer pessoa que fizer uma leitura deste texto diretamente do aramaico (língua falada pela maioria da população israelita naquela época), irá perceber o erro de tradução que foi posta ali no texto de forma sutil, quase que invisível aos olhos dos leitores. É muito provável que a carta de Paulo tenha sido escrita originalmente em hebraico e aramaico, mas que algum tempo depois, acabou sendo traduzida ao idioma grego para viabilizar a leitura das pessoas que entendiam só este idioma. Com o passar do tempo, os documentos em aramaico acabaram sendo esquecidos enquanto que os textos em grego tomaram força, passando a ser vistos como sendo os textos originais.
Se isso estiver certo, isso explica a razão de o texto em aramaico dizer uma coisa, enquanto que o texto em grego diz uma outra coisa. Bem, vamos fazer a leitura de Gálatas 3: 24-25 diretamente do texto em aramaico para ver quais são as diferenças que acabaram de ser ditas. Após a leitura do texto iremos tecer comentários, eis o texto em aramaico:
ܢܵܡܘܿܣܵܐ ܗܵܟܹܝܠ ܬܵܪܐܵܐ ܗܘܵܐ ܠܲܢ ܠܘܵܬ݂ ܡܫܝܼܚܵܐ. ܕܡܸܢ ܗܲܝܡܵܢܘܼܬ݂ܵܐ ܢܸܙܕܲܕܲܩ. ܟܲܕ݂ ܐܸܬܲܬܸ ܕܹܝܢ ܗܲܝܡܵܢܘܼܬ݂ܵܐ. ܠܵܐ ܗܘܲܝܢ ܬܚܹܝܬ݂ ܬܵܪ̈ܐܹܐ
O curioso deste texto é que o verso 24 usa a palavra ܬܵܪܐܵܐ (tarā) em seu estado de singularidade. Isso mesmo, é uma palavra que está no singular e significa "tutor" e "instrutor". Mas o verso 25 usa a mesma palavra em seu estado de pluralidade (ܬܵܪ̈ܐܹܐ / tāre'), indicando que ela é uma palavra plural que significa "tutores" e "instrutores". Observe que a construção das duas palavras são a mesma ܬܪܐܐ, o que muda nelas são apenas as vogais que estão em volta delas. Sabemos que a palavra está no plural porque existe um trema acima da palavra Rish, assim: ܪ̈
No aramaico, essa regra gramatical é chamada de "seyame" e/ou "syame". Toda palavra que contenha esse ponto duplo acima da palavra, ela é considerada como estando em sua forma plural. É muito provável que os textos antigos não contivessem as vogais e sim únicamente as consoantes, de modo que era ainda mais complicado fazer a leitura deste idioma. Qualquer pessoa que não dominasse este idioma com perfeição acabaria deixando passar detalhes importantes durante a leitura de algum texto, por isso as vogais foram colocadas nos textos posteriormente, para facilitar a leitura.
De acordo com as pesquisas realizadas pelo aramaicista Andrew Gabriel Roth, aqueles que fizeram a tradução dos textos em aramaico para o idioma grego, não levaram em conta essa regra gramatical existente no aramaico. Eis o escólio deste professor:
"... Embora a palavra ܬܪܐܐ tenha a mesma ortografia para o singular e o plural, há momentos como aqui, quando a gramática da sentença não revela diretamente se é singular ou plural. Para corrigir esse problema, os primeiros escribas da Peshitta inseriram dois marcadores de pontos - chamados syame - acima dessas palavras […] Um “redator grego poderia facilmente perder ou confundir uma palavra singular com uma plural, ou vice-versa”. (Aramaic English New Testament, 5ª edição, 2016, Netzari Press, nota de rodapé da página 597).
Após ter aprendido isto, façamos a leitura correta do texto em questão:
"De modo que a Torá se torna nosso tutor, para nos conduzir ao Messias, a fim de que pela fé sejamos justificados. Mas, quando vem a confiança, já não estamos sob a autoridade de instrutores.” (Gálatas 3:24-25)
Perceba que o apóstolo Paulo ensina que o tutor (que é a Torá), tem a missão de nos levar para a presença do Messias. Por sua vez, ao falar dos instrutores, ele diz que não precisamos dos ensinos deles. Isso significa que a Torá nos conduz em direção àquele que contém a interpretação correta da sagrada escritura e nos afasta daqueles que pensam que conhecem a Torá corretamente.
Os tutores em questão eram os líderes religiosos que viviam naquela mesma época de Paulo. Se trata dos sacerdotes essênios, fariseus e saduceus. Para ser um pouco mais detalhista, podemos dizer que o apóstolo Paulo estava falando somente de todos os religiosos que colocaram as doutrinas e preceitos de homens acima dos verdadeiros mandamentos do ETERNO. Por exemplo, na sagrada escritura vemos Yeshua combatendo alguns dos fariseus que colocavam determinadas tradições acima dos mandamentos da Torá (Marcos 7: 6-13), regras essas que muitas das vezes eram fardos difíceis de serem suportados (Mateus 23: 4).
Não estamos afirmando que todos os líderes daquela época eram inúteis, como se fossem pessoas sem conhecimento e sem importância alguma. Apenas alguns deles é que eram repreensíveis, enquanto que outros eram homens e mulheres tementes ao ETERNO. Com isso, queremos declarar que havia sim fariseus e essênios honestos, que eram fiéis à sã doutrina. No tocante aos fariseus, por exemplo, sabemos que eles desempenharam um excelente trabalho espiritual antes do nascimento do Messias. Foi graças aos fariseus que cada vilarejo da terra santa dispunha de um centro educacional para aprender os ensinos da Torá. Eles fizeram muitas escolas para o aprendizado da Torá, bem como fizeram muitos discípulos. Eles aproximaram as pessoas para próximo da presença do ETERNO, e isso é memorável. Mas sabemos que o joio sempre cresce junto com o trigo, a diferença é que o trigo da fruto e o joio não.
Sobre a história dos fariseus, escreveu o professor de judaísmo, Tsadok Ben Derech:
"Os p’rushim (fariseus) estudavam a Torá e a ensinavam à população, incentivando que os homens comuns conhecessem a Palavra do ETERNO. Construíram sinagogas em diversas cidades de Yisra’el com o objetivo de criar centros comunitários de congregação, oração e estudo das Escrituras. Graças ao trabalho incansável dos p’rushim, 50 anos antes do nascimento de Yeshua, cada vila da Terra Santa contava com uma sinagoga, todas detentoras de rolos da Torá a fim de viabilizar o estudo por parte do homem leigo.
Em tal época, não havia imprensa, sendo os rolos copiados manualmente. Para disseminar o conhecimento da Palavra do ETERNO, muitos p’rushim eram soferim (escritas), dedicando-se à reprodução fiel das Escrituras Sagradas e distribuindo-as às sinagogas. Se hoje nós temos acesso às Escrituras, devemos reconhecer o trabalho de cada sofer (escriba) que permitiu que a verdade escrita de Elohim chegasse até os dias atuais.
Nas sinagogas disseminadas pelos p’rushim, existiam escolas em que os meninos eram alfabetizados e iniciados nos estudos das Escrituras, garantindo-se o direito de todo homem de ler e aprender a Torá.
(...)
Além de ser um centro de estudo da Torá e adoração nos shabatot (sábados), as sinagogas funcionavam durante a semana como local de administração da justiça, reuniões políticas, prestação de serviços fúnebres, educação dos jovens, distribuição de alimentos aos pobres etc. Em todas essas plúrimas atividades, os p’rushim (fariseus) estavam na liderança e, por tal motivo, conquistaram a simpatia da população e exerceram grande influência junto à opinião pública". (Judaísmo Nazareno, O caminho de Yeshua e de seus Talmidim, 3ª edição, 2017, página 221 e 222).
Que lição impactante. Ela faz cair por terra todo o preconceito contra todos os fariseus que existiram na história da bíblica, já que muitos religiosos da atualidade só sabem olhar para os fariseus com um olhar negativo. Para muitos religiosos, ser chamado de fariseu é como se eles estivessem recebendo a mais alta ofensa. A bem da verdade é que os fariseus também fizeram um excelente trabalho ao levar os ensinos da Torá para cada um dos vilarejos da terra de Israel, isso é inegável.
Com isso em mente, podemos entender que o apóstolo Paulo estava nos ensinando que a Torá nos conduz para a presença daquele que contém a verdadeira interpretação das Escrituras, a saber: "O Messias". Ele (Paulo) estava dizendo que o Messias detinha todo o conhecimento verdadeiro sobre a Torá e que nele não havia erros de interpretação ou dúvidas sobre os assuntos relacionados à sagrada escritura. Nele (em Yeshua) está a perfeição do conhecimento sobre a Torá. Por sua vez, os outros mestres estavam sujeitos a errar durante a interpretação de algum texto da sagrada escritura, bem como eram mestres que só podiam abarcar as regiões vizinhas por meio da doutrina deles.
Do contrário aos homens comuns, o Messias detém o conhecimento correto sobre a sagrada escritura, bem como tem a missão de conduzir as nações do mundo inteiro a irem em direção ao Elohim verdadeiro. Ele tem a missão de levar pessoas do mundo inteiro a entrar no caminho de santidade, de elevação espiritual. E por que o Messias é que tinha que levar as boas novas para todas as outras nações do mundo? Por que não os fariseus e sacerdotes? É simples: É porque o Messias é o intérprete celestial da Torá (Gálatas 3: 19), e nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do entendimento (Colossenses 2: 3).
Isso quer dizer que enquanto os fariseus e outros se esforçaram para aprender alguns dos segredos contidos na Torá, para que pudessem saber manejar as palavras das Escrituras, do contrário a eles Yeshua já detinha naturalmente, sem esforço, todos os segredos da Torá. Ele detém todos os segredos da Torá e sabe manejá-la adequadamente. Eis a razão de ele ter o papel de pregar as boas entre todas as nações do mundo. Por fim, cabe ressaltar que o apóstolo em questão estava ensinando que a função daqueles tutores era temporária, e não dizendo que a Torá tinha fundado durante a chegada do Messias.
Em resumo, seria como se Paulo estivesse dizendo: "O Messias já chegou, deixem que ele vai resolver as coisas de agora em diante, ele dá conta do recado". O Messias começou a levar o conhecimento da Torá ao mundo todo, começando através dos apóstolos. Ele lhes ensinou (o Messias ensinou os apóstolos) a permanecer dentro da doutrina da verdade, e os apóstolos repassaram este conhecimento para outras pessoas. E essa mensagem chegou até nós nos dias de hoje, uma mensagem que foi preservada ao longo de mais de 2 mil anos. Sejamos gratos ao Messias!
Seja iluminado!!!
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