Por: Cleiton Gomes
No episódio em que Yeshua fala com Nicodemos, ele ensina algo muito importante para ele, mas que não é compreendido quando não se tem o conhecimento do pano de fundo histórico daquela época. A frase emblemática é "aquele que não nascer da água e do espírito não pode entrar no reino de Elohim".
Vamos fazer uma leitura de Mateus 3: 5 diretamente do texto em hebraico:
וַיַּעַן יֵשׁוּעַ אָמֵן אָמֵן אֲנִי אֹמֵר לָךְ אִם- לֹא יִוָּלֵד אִישׁ מִן- הַמַּיִם וְהָרוּחַ לֹא- יוּכַל לָבוֹא אֶל- מַלְכוּת הָאֱלֹהִים
Transliteração:
“Vayaan Yeshua åmen åmen any omer låkh im lo yvåled ysh min hamaym vëhåruach lo yukhal låvo el malëkhut håelohym.”
No texto em hebraico temos a palavra "maym" (מַּיִם), que é traduzido ao português como "água". Note que no final dessa palavra existe um "mem fechado" (ם), e de acordo com o pensamento judaico o mem fechado está associado ao ventre materno. Veja o que diz o Sêfer HaBahir (o Livro da Iluminação):
"...... O que é um ‘mem’? Não leia ‘mem’ (מ), mas ‘mayim’ (água, מים). Assim como a água é molhada, da mesma forma o ventre é sempre molhado….. ”(Sêfer Bahir, 85).
Yeshua falou que água está associada ao ventre materno e Nicodemos logo entendeu essa linguagem, porém, não entendeu completamente o propósito das falas de Mestre de Nazaré. É por isso que ele questionou o Mestre, da seguinte maneira:
"Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?" (João 3: 4).
Até aqui tudo parece não fazer muito sentido, então vamos dar sentido a essas palavras. Entre os Essênios da comunidade de Qunram, existia um conceito de que a Torá é um poço de água viva, veja:
“... D'us recordou a aliança dos primeiros e suscitou de Anrão homens de conhecimento, e de Israel homens sábios, e os fez escutar. E eles escavaram o poço: ‘Poço que escavaram os príncipes, que trouxeram à luz os nobres do povo com a vara’. O poço é a Torá. E os que a escavaram são os convertidos de Israel que saíram da terra de Judá e habitaram na terra de Damasco, a todos os quais Dʼus chamou príncipes, pois o buscaram, e sua fama não foi rejeitada pela boca de ninguém....” (Documento de Damasco, Col.VI, 1-7).
Perceba que quando o Messias estava conversando com a mulher samaritana, ele pediu água do poço pra ela. Mas ela não tinha água do poço para lhe dar. Depois o Messias fala que ele tinha uma água viva que tirava a sede de qualquer pessoa e, foi então que ela pediu essa água pra ele (João 4: 10-15). De acordo com as próprias Escrituras, a Torá é a própria água da vida, por isso, quem viver tomando dessa água terá direito à vida eterna (Isaías 55: 1,3, 7,11; João 4: 14; Apoc. 21: 6; 22: 17; Mateus 19: 17).
Ao comentar o texto de Isaías 55:1, o estudioso judeu, Ibn Ezra, conclue:
“Ho! É o sinal do vocativo. Oh, todo aquele que tem sede, etc. Com estas palavras o Senhor se dirigirá àqueles que estarão desejosos de aceitar a lei.”
Numa obra da idade média, chamada Daat Zkenim, existe um comentário comparativo sobre o livro de Êxodo com o dizer de Isaías 55: 1. Lemos assim:
“... é uma alegoria; as pessoas esperavam encontrar a Torá = מים = água que sustenta a vida, mas ficaram profundamente desapontadas por não a terem encontrado, por isso reclamaram. Em Isaías 55,1, A Torá foi equiparada à água. Esta é a razão pela qual Esdras introduziu o costume de ler publicamente a Torá toda segunda e quinta-feira, para que as pessoas não precisassem ficar sem ouvir uma leitura da Torá por três dias consecutivos. (Talmud, tratado Baba Kamma, fólio 82)" (Daat Zkenim em Êxodo capítulo 15: 22: 1).
Com efeito, nas Escrituras temos o seguinte paralelismo de ideias: Em João 15: 3 o Messias ensina que as suas palavras/ ensinamentos, eram capazes de limpar as pessoas. E esse mesmo ensinamento é repetido em Efésios 5:26, onde Paulo diz que as palavras do Messias são como águas que lavam e purificam as pessoas. Já que a água é a Torá e ela é a doutrina que o Messias ensinou, isso só pode significar uma coisa: "nascer da água" é uma palavra figurativa que diz que devemos aceitar que a Torá purifique o nosso coração, isto é, o nosso entendimento.
E mais: nascer do Espírito tem a ver com o Messias colocando a Torá dentro do nosso coração, pois ele nos dá o seu Espírito para ficar ministrando a Torá lá dentro. É assim que somos lavados de dentro pra fora, e todo pensamento impuro é jogado para fora. O entendimento de que o Espírito ministra a Torá dentro do nosso coração foi ensinado pelo profeta Ezequiel (36: 26-27), e também pelo apóstolo João (1ª João 3: 4-10).
Em suma, Yeshua estava ensinando para Nicodemos que a Torá deve ser praticada genuinamente, sem hipocrisia, sem falsidade. Pois como diz o seguinte ditado "a Torá também pode ser um veneno mortal caso não seja praticada genuinamente": "Aquele que usa a Torá de maneira correta, ela será como um remédio de vida para ele, mas para aquele que a usa de maneira incorreta, ela será um veneno mortal"(Talmud, Yoma 72b). Este é o mesmo entendimento do apóstolo Paulo: "Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente" (1 Timóteo 1:8).
Seja iluminado!!!
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