Por Cleiton Gomes
Inicialmente, faremos a leitura do texto bíblico. Vejamos:
"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos, e dizeis: Se existíssemos no tempo de nossos pais, nunca nos associaríamos com eles para derramar o sangue dos profetas. Assim, vós mesmos testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade; Para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar." (Mateus 23:29-35)
Há antimissionários (pessoas que não creem na inspiração divina do “Novo” Testamento) que vivem ensinando que este episódio das Escrituras é falso, porque em nenhuma das genealogias do Tanach (vulgo "Antigo Testamento") aparece o nome de Baraquias. Eles estão errados ao pensar desta maneira porque o personagem acima citado é um alguém que viveu um pouco antes de Yeshua nascer, razão pela qual ele não tem seu nome em nenhuma das listas genealógicas do Tanach. E no que diz respeito à questão dos fariseus serem hipócritas, importa salientar que não eram todos eles que agiam desta maneira. O historiador Flávio Josefo (37 a 100 D.C) registrou que haviam muitos fariseus piedosos, que também eram bastante instruídos na palavra:
"....os fariseus tinham também a fama de ser muito piedosos e muito mais instruídos que os outros, em coisas de religião.” (História dos Hebreus, CPAD, 8ª edição, 2004, página 1018).
“Quanto às duas primeiras seitas de que falamos, os fariseus são tidos como os mais perfeitos conhecedores de nossas leis e de nossas cerimônias...” (Ob. Cit., página 1134)
Agora fica a pergunta, quem está mentindo, Yeshua ou Flávio Josefo? A resposta é simples: nenhum deles estava mentindo. O que muitos não sabem é que existiu duas principais escolas farisaicas nos tempos de Yeshua. Uma delas era liderada pelo rabino Hilel, e seus discípulos eram chamados de hileítas. A outra escola farisaica era liderada pelo rabino Shamai, e seus discípulos eram chamados de shamaítas.
Os hileítas tinham a fama de serem mais piedosos, enquanto que os shamaítas eram vistos como rígidos, radicais e às vezes cruéis. Claro que entre os shamaítas também haviam pessoas piedosas, pois nem todo ser humano pensa da mesma maneira. Assim, de acordo com tudo isso, podemos concluir que Flávio Josefo está falando dos hileítas, enquanto que Yeshua está criticando a hipocrisia de alguns membros da escola shamaíta. E para consolidar o pensamento de que Yeshua não estava criticando todos os fariseus, consultaremos a declaração do teólogo judeu, David H. Stern:
"..... a crítica de Yeshua não era dirigida a todos os fariseus, mas apenas aqueles que eram hipócritas.” (Comentário Judaico do Novo Testamento, editora Atos, 2008, página, 44).
O Mestre de Nazaré mencionou que os fariseus eram filhos daqueles que mataram os profetas. Estes profetas mencionados por Yeshua eram membros da escola hileísta, porque ambas as escolas farisaicas não se davam muito bem. Isso quer dizer que Yeshua estava afirmando que os shamaítas mataram muitos dos hileítas. Quem confirma ainda mais este fato é o rabino ortodoxo Harvey Falk:
".... Jesus, o Nazareno, fez uma grave acusação contra os fariseus por volta do ano 30 EC [era comum], quando Ele estava no Templo durante a sua última Páscoa, referindo-se diretamente ao conflito entre as escolas rabínicas de Hilel e Shamai, e que resultou na morte de muitos dos discípulos de Hilel, o Ancião.” (Rabbi Harvey Falk mets Jesus the Nazarene, Robert D. Mock).
De acordo com a lição do historiador judeu-alemão, Isaak Markus Jost (1793-1860), havia entre as duas escolas farisaicas um sentimento de amargura, ao ponto de eles não se reunirem de baixo do mesmo teto em nenhum lugar (Bibliografia indicada: “A História do Judaísmo e Suas Seitas". Título original: Geschichte Des Judenthums Und Seiner Sekten,i. 261; Tosef., R. H., end).
E foi devido a este sentimento de amargura que os shamaítas, em dado momento da história, assassinaram muitos dos hileítas. Confira mais detalhes na Enciclopédia Judaica:
"....Os shamaítas propunharam impedir toda a comunicação entre judeus e gentios, proibindo os judeus de comprar qualquer artigo de comida ou bebida de seus vizinhos pagãos. Os hileítas, ainda moderados em suas visões religiosas e políticas, não concordaram com tal exclusividade nitidamente definida; mas quando o Sinédrio foi convocado para considerar a propriedade de tais medidas, os Shamaitas, com a ajuda dos Zelotes, ganharam o dia. Eleazar ben Ananias convidou os discípulos de ambas as escolas a se reunirem em sua casa. Homens armados estavam estacionados na porta, e instruídos a permitir a cada um para entrar, mas ninguém para sair. Durante as discussões que foram conduzidas sob estas circunstâncias, dizem que muitos hileítas foram mortos ali e, em seguida, o restante [dos hileítas] adotou as proposições restritivas dos shamaítas, conhecidas no Talmud como ‘Os Dezoito Artigos’. Por conta da violência, que ocorreu por ocasião destes decretos, e por causa do radicalismo dos próprios decretos, o dia em que os shamaítas triunfaram sobre os hileítas foi posteriormente considerado como um dia de azar (The Jewish Encyclopedia, in: Bet Hillel And Bet Shammai, by: Marcus Jastrow, S. Mendelsohn. 1906. P. 115-116).
E fundamentando ainda mais o pensamento de que não existia harmonia entre as duas escolas farisaicas, iremos consultar a declaração do professor nazareno, Tsadok Ben Derech:
“Expõe o Talmud 316 controvérsias doutrinárias entre ambas as escolas, sendo que em 261 ocasiões a Beit Hilel propunha regras mais flexíveis do que a Beit Shamai. Enquanto esta era mais rígida e conservadora na aplicação da Lei, aquela se demonstrava mais liberal, já que Hilel estabeleceu um padrão mais indulgente e misericordioso, sem desviar-se da Torá.
(....)
A dissonância interpretativa das escolas tem como característica primacial a tendência restritiva dos shamaítas e a moderação dos hileítas, fruto do perfil psicológico de seus fundadores. Os discípulos de Hilel, seguindo a linha de seu Mestre, eram tranquilos, amantes da paz e dos homens, acomodando-se as interpretações às circunstâncias de seu tempo, promovendo o ensino da Torá para aproximar o homem do ETERNO e de seu próximo.
Por outro lado, os discípulos de Shamai, tal como o criador da escola, eram severos e inflexíveis, objetivando tornar as regras mais rígidas, o que terminou por colocá-las como um “jugo pesado”. Na visão dos discípulos de Shamai, nenhuma regra era suficientemente rígida, ou seja, almejavam que os comandos religiosos se tornassem cada vez mais duros, austeros. (DERECH, Tsadok Ben. Judaísmo Nazareno, A religião de Yeshua e seus Talmidim, 2ª edição, 2013, página 263).
Em suma, foram apresentados dados sólidos, que demonstram a razão de Yeshua ter chamado alguns dos membros da escola shamaíta de filhos de assassinos. Foi um evento na história onde os shamaítas assassinaram os hileítas, discípulos do Rabino Hilel. Em nenhum momento o texto está querendo dizer que Yeshua estava atacando a moral de todos os judeus em si, como se este episódio das Escrituras fosse um acréscimo, como se fosse uma história falsa para disseminar o ódio gratuito contra o povo de Israel (antissemitismo).
Seja iluminado!!
Observação final: utilizamos como fonte investigativa as descobertas realizadas pelo professor nazareno, Tsadok Ben Derech. O conteúdo acima exposto é uma adaptação de muitos estudos disseminados por este professor, e resolvemos agrupar algumas informações para explicar um tema específico das Escrituras.
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