A Torá é esterco? (Filipenses 3)

Por Cleiton Gomes

Antes de começarmos os comentários, vamos fazer a leitura do trecho bíblico referente a Paulo:

"Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo". (Filipenses 3: 6-8, Bíblia Almeida Corrigida Fiel, 2011)

Através do enunciado do texto, o que Paulo está expondo a seu público alvo é que ele tinha muito orgulho de seu status pessoal, de seu destaque entre as muitas pessoas daquela época. É possível dizer que ele era egoísta. Ele se dizia muito zeloso da Torá e da tradição de seus antepassados e mestres. Pelas outras pessoas ele era bem visto, mas aos olhos do ETERNO ainda faltava muita coisa para ser corrigida nele. Após sua conversão, todo esse zelo sem entendimento foi reputado por Paulo como sendo uma perda, e por isso ele também começou a admoestar aqueles que buscavam se gloriar na carne com a intenção de agradar e ser bem visto pelos homens (Gálatas 6: 11-17; Gálatas 1: 10).

Para fortalecer nosso argumento a respeito deste assunto, citar-se-á a argumentação do Teólogo judeu, David H. Stern:

"Sha’ul [Paulo] estava seguindo todas as regras conforme as aprendera, contudo seu coração estava cheio de orgulho, o qual excluía a confiança, uma vez que esta demanda humildade, que é o oposto do orgulho. Entretanto, a confiança é a primeira exigência da Torá, e isso faltava a Sha’ul. Portanto, ele de forma alguma era irrepreensível quanto a justiça requerida pela Torá como ela é de fato; mas que agora considera desprezível seu orgulho por elas.” (Comentário Judaico do Novo Testamento, Editora Atos, 2008, página 649).

O orgulho de seu status pessoal lhe deixou cego, e esta cegueira lhe fez pensar que ele era realmente irrepreensível quanto à Torá. Ele não era totalmente humildade, e não era totalmente irrepreensível. Somente quando conheceu o verdadeiro testemunho que Yeshua deixou, foi que Paulo pode aprender a verdadeira maneira de como é ser irrepreensível através do verdadeiro zelo para com a Torá. Foi por isso que ele (Paulo) se permitiu ser discípulo de Yeshua, e abandonar seus antigos méritos adquiridos antes de Yeshua, deixando de ser o perseguidor para ser perseguido por causa do Mestre de Nazaré.

A pessoa não deve dizer que pratica os mandamentos da Torá para tentar agradar as outras pessoas, porque quando uma pessoa pratica adequadamente os mandamentos da Torá, as pessoas irão ver a luz irradiando dela. É simples assim. Dessa maneira, ela não precisará dizer que é luz, pois as outras pessoas simplesmente vão ver isso nela. 

Aquele que pratica verdadeiramente os mandamentos da Torá, irá demonstrar humildade em toda sua maneira de viver, e viverá em acordo com as exigências do Criador. Mas quem diz praticar os mandamentos da Torá tendo a intenção de agradar outras pessoas, isso passa a ser um mero legalismo exacerbado e vazio. É como se fosse Caim levando uma oferta para o ETERNO, a qual certamente ele recusará. 

Com isso podemos aprender que Paulo já foi escravo dessa aparência exterior de santidade (o legalismo). E essa aparência de santidade estava lhe impedindo de ver quem Yeshua realmente era. Paulo só começou a perseguir os discípulos de Yeshua para satisfazer seu egoísmo, bem como estava com o intuito de agradar outras pessoas. Quando ele soube quem Yeshua realmente era, ficou com vergonha de si mesmo, pois passou a saber que seu zelo comparado ao zelo de Yeshua não significava muita coisa, pois o zelo de Yeshua era maior e totalmente verdadeiro. 

É por ter enxergado quem Yeshua realmente era e ter passado a ser seu discípulo, que ele exclamou: "Mas, por causa do Messias, todas as coisas que para mim antes eram lucro, eu agora considero como perda". (Filipenses 3: 7). 

Vale ressaltar que Paulo não estava lançando palavras de desprezo à Torá, e sim lançando palavras de desprezo para a maneira de como ele dizia que praticava a Torá, pois a maneira que ele pensava estar correta, na verdade não era correta. Ele somente aprendeu a como guardar os mandamentos da Torá adequadamente através de Yeshua, o qual circuncidou o seu coração. É isso mesmo, Paulo não estava atacando a Torá e sim a sua própria maneira de praticar os mandamentos, pois quando ele falou da Torá em si, disse que ela era santa, justa, boa (Romanos 7: 12), e que quando nasceu do Espírito através de Yeshua, em seu coração passou a dizer: "Segundo o homem interior, tenho prazer na Torá de Elohim" (Romanos 7: 22). Ah, e quem disse que a fé em Yeshua é um tipo de subterfúgio para deixar de praticar os mandamentos da Torá? Paulo mesmo ensinou que a fé em Yeshua não anula o nosso dever de praticar os mandamentos, e sim que a fé em Yeshua deve reforçar ainda mais a vontade de praticar o máximo de mandamentos possíveis para viver em acordo com a vontade do Criador (Romanos 3: 31).

O referido apóstolo estava lançando palavras de arrependimento, de ter permitido que sua aparência de santidade exterior lhe deixasse ficar cego, a ponto de não saber quem Yeshua realmente era e o que os seus discípulos estavam realmente pregando. Como sabemos, Paulo perseguia todos aqueles que eram discípulos de Yeshua, invadindo casas, e até chegou a pedir autorização para prendê-los quando estavam em outras regiões, e sua intenção era castigá-los (Atos 8: 1-3; Atos 9: 1-2; Atos 22: 4-5).  É disso que Paulo se arrepende, de ter perseguido os discípulos de Yeshua, de ter chegado a incentivar a morte gratuita daqueles que eram discípulos do Mestre de Nazaré. 

Foi durante sua perseguição aos discípulos que estavam em Damasco, que Yeshua lhe aparece no caminho e lhe pergunta: "Paulo, por que tú me persegues?" (Atos 9: 7).  Imagine você neste momento, fazendo de tudo para ser zeloso e perfeito, e de repente descobrir que você está, na verdade, lutando contra a obra do Messias. É algo para deixar qualquer um em desespero e procurar rapidamente um jeito de mudar. E o mais difícil é ter que presenciar aqueles que estavam ao teu lado te apoiando, agora viverem te acusando, inventando calúnias, e te perseguindo. Perder muita das amizades por amor a Yeshua não foi uma tarefa fácil, mas ele escolheu Yeshua mesmo assim. 

Em suma, debaixo dos acontecimentos, facilmente podemos entender que Paulo não estava dizendo que ser zeloso é errado, que praticar os mandamentos da Torá é errado. Ele está dizendo que se vangloriar na carne é que está errado, e que isso pode sabotar a verdadeira forma de agradar o Pai celestial….. 

Seja iluminado!!!